Moeda de troca

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Quatro semanas se passaram desde então. Estava em período de provas na escola, e extremamente estressada por não estar conseguindo conciliar os estudos com os trabalhos que estavam surgindo na agência. Precisava me desdobrar em três se eu realmente quisesse continuar seguindo meu sonho, e tentando juntar dinheiro pra ser menos dependente dos meus pais, que estavam à beira de um colapso sem a resposta definitiva do pai de Charles sobre a sociedade.

Parecia que o homem estava empurrando meu pai com a barriga, sem dizer "sim", mas também sem negar, e sumia durante dias por estar "ocupado demais" e adiava reuniões. O que fazia com que meu pai se tornasse cada vez mais alguém diferente do que ele era. E a pior parte era sua insistência doentia pra que eu me aproximasse de Charles e através dele conseguir a aprovação de seu pai. Eu me sentia um objeto sem valor todas as vezes que ele tocava no assunto, e eu não sou uma moeda de troca.

-E falando em Charles... -comentou Brooke enquanto saíamos da sala no fim da aula. -Ele continua insistindo pra passarem um tempo juntos, sozinhos?

-Sim, pior que sim. E minhas desculpas já estão quase se esgotando. Eu simplesmente não tenho tempo pra isso agora, nem se eu quisesse. Desde você sabe quem, não quero pensar em garotos porque simplesmente não quero quebrar a cara de novo.

-Mas você não acredita que ele tenha mudado? -questionou.

-Ele pode sim ter mudado, eu mesma mudei nesses dois anos. Mas sei lá, não me sinto à vontade no momento pra arriscar.

-Eu te entendo Bev.

-Beverly! Beverly! -exclamava Vanessa vindo em nossa direção no corredor.

-Aconteceu alguma coisa? -perguntei preocupada.

-Sim! O Charles Valentino está parado na frente da escola com um conversível, procurando por você. E se não vier rápido, talvez não encontre nem vestígios dele, de tantas garotas que tem lá. -informou.

-Eu não acredito. -bufei, revirando os olhos.

-Ah meu deus. -soltou Brooke.

-Vem, vem logo! -exclamou Vanessa, nos empurrando para a entrada.

Eu não fazia ideia do que estava acontecendo e do porquê de ele estar lá.  Mas pensar que isso era algum tipo de joguinho para me aproximar dele, me deixava irritada. De forma alguma eu era a Beverly facilmente manipulável de antes e ele sentiria isso na pele.

Enquanto ia me aproximando, pude ver várias meninas aglomeradas cochichando sobre o quanto ele era lindo, gostoso, sobre seu carro, sobre ele ser o ex capitão da escola rival, e mais mil outras coisas. Se era atenção que ele queria, era isso que estava ganhando.

-Beverly, finalmente você apareceu! -exclamou assim que cheguei mais perto.

Eu podia ouvir meu nome saindo da boca de cada uma delas, com tom de inveja e deboche.

-O que significa isso? -perguntei, impaciente.

-Bom, eu vim te buscar. -respondeu, visivelmente sem jeito, pela cara de paisagem que eu estava fazendo.

-E por quê você viria me buscar? Estou esperando meu pai, e aliás ele vai me levar pra agência agora.

-Na verdade não vai.

-Ué, por quê?

-Na verdade, eu fui com meu pai para o almoço que ele marcou, de última hora com o seu pai pra falar dos negócios, e então ele se deu conta de que não poderia vir te buscar e me pediu pra fazer isso.  -explicou.

-Já que é assim, então tudo bem. Desculpa pelo modo de falar, não é um bom dia. -disse, ao perceber que talvez o futuro do meu pai estivesse em jogo naquele exato momento.

Logo ele abriu a porta do carro para que eu entrasse, deixando cada uma daquelas garotas cuspindo fogo pelos ouvidos, querendo estar no meu lugar. Eu não era mais o tipo de pessoa que gostava de atenção, mas me senti levemente satisfeita.

Depois de algumas quadras em silêncio e apenas com o som da rádio, ele resolveu falar:

-Não pense que eu vim aqui com segundas intenções. Eu só queria ajudar, entendo se estiver brava, já que recusou todos os meus convites para nos vermos.

-Não me entenda mal Charles, não é isso. Só não estou em um momento em que eu queira sair ou interagir, tenho tentando focar no meu trabalho que é importante pra mim e ao mesmo tempo sobreviver ao último ano do ensino médio. Você deve saber do que eu tô falando.

-Sim, eu sei. Mas não faria tão mal se divertir um pouco, talvez seja disso que você precisa.

Percebi suas boas intenções ao dizer aquilo, e comecei a me desarmar aos pouco dentro da conversa.

-Eu só queria não ter a sensação de sempre precisar escapar, e de precisar sempre de um tempo. Eu gostaria de me divertir mais, mas não é tão fácil assim.

-Eu posso te ajudar com isso. Só precisa me deixar tentar.

Sorri.

-Você não iria se arrepender. -insistiu.

-Tem certeza?

-É uma promessa. -disse, levantando o dedo mindinho para que eu selasse a promessa, acreditando nele.

-Dessa vez eu vou acreditar. -coloquei meu mindinho no dele.

Parecíamos duas crianças, rindo e um tanto sem graça. Foi, legal.

-E então, quer almoçar? Conheço um bom restaurante perto da sua agência. -convidou.

Porém no exato momento em que ele encerrou sua fala, uma música de Jay começou a tocar na rádio. Arregalei os olhos, como se entendesse que talvez fosse um sinal. Charles ficou desconfortável de forma perceptível, ele sabia quem estava tocando. Um novo silêncio se instalou, enquanto já estávamos próximos do trabalho.

-Talvez outro dia. Diana, minha amiga, pediu comida chinesa pra nós duas e já deve estar me esperando para almoçarmos. -respondi, alguns segundos depois, com a garganta seca. Era óbvio que eu havia acabado de inventar aquilo, mas ele acreditou.

-Tudo bem, eu te peguei de surpresa. -entendeu. -Mas, não vou aceitar um "não" como resposta da próxima vez. Certo?

-Ãham, certo. Eu dou minha palavra. -respondi, rindo.

Assim que parou o carro e nos despedimos, pude ver de relance o soco disfarçado que ele deu no painel do carro, bem no local do rádio.

Mas o que foi que aconteceu? Eu podia sentir meu estômago embrulhar.

𝐑𝐄𝐈𝐒𝐄𝐍𝐃𝐄𝐑 ➳Where stories live. Discover now