Capítulo Onze

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Ele atravessou a sala e começou a subir as escadas, Basil Hallward seguindo-o de perto. Caminhavam suavemente, como os homens agem instintivamente à noite. O lampião lançava sombras fantásticas sobre a parede e a escadaria. Um vento crescente fazia algumas janelas chacoalhar.

Quando chegaram ao fim da escada, Dorian colocou o lampião sobre o chão e, tirando a chave, virou-a na fechadura. “Você insiste em saber, Basil?”, ele perguntou com voz baixa.

“Sim”.

“Estou contente”, ele murmurou, sorrindo. Então ele acrescentou, um pouco amargo, “Você é o único homem no mundo habilitado a saber tudo sobre mim. Você tem mais a ver com a minha vida do que pensa”. E, pegando o lampião, abriu a porta e entrou. Uma fria corrente de ar passou por eles e a luz balançou por um momento, com uma chama de triste laranja. Ele tremeu. “Feche a porta atrás de você”, ele disse, enquanto punha o lampião sobre a mesa.

Hallward olhou ao seu redor, com uma expressão intrigada. A sala parecia como se não fosse habitada há anos. Uma gasta tapeçaria flamenga, um quadro acortinado, uma velha cassone italiana e uma estante quase vazia – era tudo o que parecia conter, além de uma poltrona e uma mesa. Enquanto Dorian Gray estava acendendo uma vela meio gasta que estava sobre uma prateleira de cornija, ele viu que todo o lugar estava recoberto de poeira e que o carpete estava furado. Um rato correu tumultuosamente atrás dos lambris. Havia o úmido odor de fungos.

“Então você acha que apenas Deus enxerga a alma, Basil? Puxe a cortina e você verá a minha”.

A voz que falava era fria e cruel. “Você está louco, Dorian, ou pregando uma peça”, murmurou Hallward, carrancudo.

“Não o fará? Então deverei fazê-lo eu”, disse o jovem; e ele arrastou a cortina de sua haste e a jogou sobre o chão.

Uma exclamação de horror saiu dos lábios de Hallward enquanto via na parca luz a repugnante coisa sobre a tela olhando de soslaio para ele. Havia algo em sua expressão que o enchia de desgosto e ódio. Bons céus!

Era a própria face de Dorian Gray que ele estava olhando! O horror, seja qual fosse, ainda não tinha embotado aquela beleza maravilhosa. Havia ainda um pouco de dourado no cabelo que rareava e algum escarlate nos lábios sensuais. Os olhos saturados ainda mantinham algo do encanto do seu azul, as curvas nobres não tinham ainda se esvaído das narinas esculpidas e da plástica garganta. Sim, era o próprio Dorian. Mas quem o fizera? Ele parecia reconhecer suas pinceladas e a moldura era de seu próprio desenho. A ideia era monstruosa, e assim, ele tremia de medo. Ele agarrou a vela acesa e a segurou contra o quadro. No canto esquerdo estava seu próprio nome, traçado em longas letras de vermelho brilhante.

Era alguma paródia asquerosa, alguma sátira infame e ignóbil. Ele nunca tinha feito aquilo. Porém, era o seu próprio quadro. Ele o sabia e sentia como se seu sangue mudara de fogo para o indolente gelo em um instante. Seu próprio quadro! O que significava aquilo? Por que tinha se alterado? Ele se voltou e olhou para Dorian Gray com os olhos de um homem doente. Sua boca se agitava e sua língua ressecada parecia incapaz de se articular. Ele passou sua mão pela testa. Estava úmida de um suor pegajoso.

O jovem rapaz estava apoiado contra a prateleira, observando-o com aquela estranha expressão que toma os rostos daqueles que estão absortos em uma peça quando um grande artista está interpretando. Não havia nem uma mágoa real, nem uma verdadeira alegria. Havia simplesmente a paixão do espectador, com talvez um adejar de triunfo nos olhos. Ele tinha retirado a flor de seu casaco e a cheirava ou fingia fazê-lo.

“O que isto significa?”, exclamou Hallward, por fim. Sua própria voz soava aguda e curiosa aos seus ouvidos.

“Anos atrás, quando eu era um garoto”, disse Dorian Gray, “você me encontrou, devotou-se a mim, bajulou-me e me ensinou a ser vaidoso com relação à minha própria beleza. Um dia, você me apresentou a um amigo seu, que me explicou a maravilha da juventude e você terminou um retrato meu que me revelou a maravilha da juventude. Em um momento insano, que não sei, mesmo agora, se lamento ou não, fiz um desejo. Talvez você chame isso de invocação...”

O Retrato De Dorian GrayWhere stories live. Discover now