A LENDA DOS PROFUNDOS

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O disparo perfurou a cabeça da guerreira que ele segurava, levando-a ao chão, morta, e derrubando Turiku no susto, salvando-o dos outros disparos feitos contra os dois. Há alguns metros mais a dentro da floresta, os desbravadores armados em fileira, disparavam seus fuzis contra os ocupantes indesejados daquela mata.

Com as penas escondidas por placas de metal e couro azul, as Aves, chamadas entre elas de Aves de Batalha, recarregavam os fuzis pegando a munição nos cintos, onde também estavam presas suas espadas de prata. Suas ordens eram de eliminar os nativos, filhos das árvores, os quais eles apelidaram de cascas por causa de suas peles de madeira.

Turiku, desesperado por estar sozinho, já que ficara para trás, rastejou como as cobras faziam entre a mata, sabendo que ali próximo corria um rio, e decidiu que poderia fugir dos desbravadores para lá. Porém, mais tiros disparados, agora feitos de forma baixa, zuniram acima de si, arrancando mechas de seus cabelos de folha e levantando terra a sua volta.

Em um ato de desespero, Turiku se levantou e correu, o máximo que pode, sentindo-se como o vento. Algumas das Aves o notaram, mas não foram rápidos o suficiente para recarregar suas armas. Então, um dos líderes deles apontou sua espada na direção que o nativo correu e ordenou sua execução; seguindo as ordens dadas, três Aves de Batalha se levantaram e correram, com seus fuzis e espadas em mãos, seguindo os rastros de Turiku.

Sua vantagem era o conhecimento do local, pois o rio que corria ali perto foi onde ele treinou o domínio da água com seus semelhantes, durante as lições dos Kaules, os grandes magos daquelas terras. As águas do riacho são límpidas e possíveis de serem tomadas, mas sua correnteza é forte para atravessar, os Kaules tinham que obter a energia das rochas, que são estáticas, para manter um caminho petrificado sobre as águas para não serem levados. É um teste para medir a afinidade dos jovens com a energia dos Kaules, apesar de todos os menores caírem, alguns na metade do caminho e outros no começo, o Kaule mestre sempre repetia o mesmo ensinamento: "para usar a força das pedras na água, você tem que confiar na floresta; se mostrar medo, incerteza ou insegurança, a floresta não vai acreditar em ti e você não terá a segurança da pedra, então será levado pela certeza das águas".

Era uma boa lição, que dava base aos princípios da utilização da energia pelos Kaules, mas, em seu primeiro teste, o jovem Turiku pode deter as águas como se ali fizesse nascer uma barragem de pedras firmes, surpreendendo a todos, inclusive ao mestre Kaule. Ele atravessou o rio e mudou seu sentido por alguns segundos, demonstrando uma conexão com o todo que nenhum outro aluno mostrara em milênios de existência dos Kaules.

Jamais esqueceria aquele dia, assim como jamais esqueceria aquele rio.

Quando seus pés sentiram que a terra se transformara em pedras de cascalho, que eram arrastadas pelas aguas até as margens, Turiku pegou mais impulso com suas pernas fortes e saltou, o mais longe que pode, repousando a ponta de seus dedos nas águas turbulentas do rio que estava logo abaixo do nível da terra, mergulhando profundamente.

Para que não precisasse emergir, o jovem nativo convocou a energia do vento, e abriu, dentro do rio, uma bolha de ar, que o mantivesse respirando enquanto ficava imóvel para não ser visto pelos desbravadores. O mais difícil nesta magia era manter a correnteza circulando sem atingi-lo com violência, caso contrário, seria levado rio abaixo e seu vácuo de fuga seria perfurado.

As Aves de batalha chegaram às margens do rio e observaram a turbulenta água, esperando ver o nativo emergir para tomar um gole de ar. Os três escondiam as penas que tinham no lugar de cabelos e barba sobre elmos de prata, e estavam trajando vestes mais quentes, como calças, blusas de cor azul, e com uma armadura de placas de prata por cima; estavam visivelmente desconfortáveis, mas muito bem blindados. Com os fuzis carregados eles ergueram suas pontas, seguindo o rumo das águas, na certeza que iriam perfurar o casca com as balas de prata, mas não foi o que ocorreu. O nativo não surgiu, mantendo-se submerso, confundindo seus predadores. Um deles, apontou a fuzil para baixo e olhou para dentro do rio, tentando achar sua presa, mas nada viu. Turiku observou a movimentação das sombras, agitadas com a busca sobre ele e, mesmo desesperado, conseguiu manter a magia para continuar oculto.

A SEMENTE DO DESTINO e outros contosWhere stories live. Discover now