A LENDA DOS PROFUNDOS

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Com o coração partido ele fecha os olhos do amigo de infância, que havia falecido em seus braços há poucos segundos. O ferimento foi feito por um tipo de arma que ele não sabia utilizar ainda, portanto, seria difícil ser tratado, visto que não possuía conhecimento sobre como aquelas aves conseguiam atirar pedras de fogo de lanças contra eles.

Enquanto as lágrimas escorriam por sua pele de madeira, Turiku, o nativo das florestas, ajeitou o corpo do amigo, limpou a poeira de cima das roupas de couro, juntou seus braços rente ao corpo, o posicionando de uma forma que parecesse que o guerreiro estivesse pronto para ser recolhido pela terra, à fim de fazer a passagem desta vida para a outra.

Depois levantou-se, limpando as lágrimas com o antebraço, pois suas mãos estavam sujas, de terra, sangue amigo e sangue de ave. O guerreiro trajava uma camisa de couro sem mangas, com ombreiras feitas de casco de tartarugas, um saiote de couro e estava descalço, em seu tornozelo e pulsos estavam pulseiras feitas de linho com dentes de javali como adorno. Seus braços exibiam símbolos tribais esculpidos em sua pele de madeira.

A fumaça das queimadas tampa suas narinas, fazendo-o tossir, trazendo sua consciência para além do luto, de volta ao campo de batalha em que se encontrava. A terra sob seus pés estava maltratada pelo fogo e tingida com o sangue espalhado pelo ódio entre os dois povos que ali lutavam.

Turiku ainda não conseguia distinguir quando tudo mudou, quando a floresta se tornara um campo de batalha. Triste, ele olhava em volta, vendo os colegas feridos, usando as forças restantes para carregar os colegas mortos por entre as árvores, aquela cena destruía o coração do jovem Kaule. As chamas que consumiam o topo das árvores, os troncos e as grandes folhas que brotavam da terra, tudo aquilo era tão vivo antes deles chegarem. As Aves.

Há algumas luas atrás, Turiku havia acabado de aprender sobre a magia da terra, os poderes que os nativos desenvolveram através de seu longo relacionamento com a floresta, onde podiam dar vida às plantas, afofar a terra dura e seca, limpar a água suja e trazer ventos em um dia quente. Mas, somente os nativos que tinham o coração aberto, conseguiam se desenvolver nesta arte, e Turiku era um deles.

Turiku era muito novo para a maioria dos iniciados, os chamados Kaules, pois eram a conexão entre os seres vivos e a terra; e conseguiam comunicar-se com suas magias. Mas se desenvolveu bem na arte mágica, tanto que obteve êxito reagindo às magias que os decanos tinham dificuldade.

Enquanto se preparava para o ciclo de amadurecimento, quando ele se tornaria um Kaule completo, Turiku soube pelos amigos, os caçadores de peixes, que grandes troncos com asas planavam sobre o mar e chegaram a areia, trazendo aves gigantes, que cuspiam fogo e tinham garras de prata.

A partir daquele momento tudo mudou, Turiku não teve consciência antes, mas agora, vendo o decorrer dos eventos que rapidamente decaíram para a matança que vivenciava, soube, sem sombra de dúvidas, que foi no dia que as aves chegaram, que a mudança aconteceu.

Turiku notou que todos os sobreviventes haviam se retirado do local após a "vitória" obtida contra as Aves, mas uma guerreira ainda tentava se levantar, apoiando-se com dificuldade em uma enorme rocha esverdeada pelo musgo.

- Precisa de ajuda? – Questionou ele, já se antecipando para ajudá-la.

- Sim, uma maldita ave cortou um dos meus pés. – Ela disse, rangendo os dentes de dor.

Ele, então, se aproximou e passou o braço dela por cima de seu ombro, para que se apoiasse nele.

Enquanto tentava ajustar a melhor posição para carregar a guerreira de volta a seu povoado, Turiku ouviu aquele som atormentador, um estupido, que vinha da ponta de uma das lanças de fogo das aves, capaz de ser disparada de longas distâncias e matar com uma pedra quente quem estivesse em seu caminho.

A SEMENTE DO DESTINO e outros contosWhere stories live. Discover now