𝔖𝔢𝔤𝔯𝔢𝔡𝔬𝔰 𝔡𝔢 𝔖𝔞𝔫𝔤𝔲𝔢 & 𝔖𝔦𝔫𝔞

𝙲𝚊𝚙í𝚝𝚞𝚕𝚘 𝙸𝙸

Hogwarts era uma fortaleza de pedra bruta e força imponente, ascendendo alta e gloriosa sobre a tapeçaria dourada do crepúsculo, cortando os céus com suas torres como se sangrassem ouro sobre as colunas. Era a imagem do fantástico e mágico, limitando o véu entre singeleza e beleza austeras. 

Era lindo. Tudo que ela sonhara e desejara. 

E seria seu. 

Uma brisa deslizara sobre seu ombro, uma mão antiga e sábia sussurrando à base de seu ouvido. Em breve.

As águas sob as canoas sibilavam e ondulavam numa fluidez prateada, leve, dançando sob a proa como fitas de ventania. A luz dos lampiões não refletiam mais do que um palmo no espelho d'água, um poço negro e profundo se abrindo à seus pés para criaturas que ela apenas ousara temer. 

Mas a escuridão não a assustava. Nem as silhuetas que vez ou outra vislumbravam à luz na superfície. 

Nada podia lhe impedir agora. 

- Já pode abrir os olhos agora - Ray mantinha os olhos tão cerrados ao seu lado que as veias sob a pele pálida se tornaram aparentes, trilhando um caminho púrpura sobre suas pálpebras. Bruna não achava que a garota poderia parecer mais insignificante do que já era, mas ao vê-la travando sobre o deck, as unhas bem enterradas sob a palma, ela quase foi capaz de sentir pena. 

Quase. 

- Tem certeza? - a voz trêmula e alquebrada soava como um espelho límpido da própria garota. Insegura e medrosa. 

- Sim - ela mal conseguiu segurar a risada antes que ela abrisse os olhos, uma careta miserável tomando seu rosto, os olhos arregalados e os lábios cerrados como um peixe assustado.

Olhares se viraram até ela, semblantes de desaprovação diante da gargalhada audível. Mas ela não se importava, conforme a barriga doía de rir e Ray a acertava às cegas. Ninguém poderia impedi-la de rir e gritar e xingar aos ventos, e se fossem espertos, jamais tentariam.

Os barcos encontraram a enseada um instante depois, para o alívio de Ray. A profusão de alunos se empertigara para os portões do castelo, murmurando e vibrando e tremendo como baratas tontas, seguindo um homem barbudo vulgarmente alto até o brasão de Hogwarts. 

O salão de entrada não era grande coisa, muito menos a profusão desgraçada de escadarias que se dera início.  Ela não entendia como uma escola de magia e bruxaria podia se manter em pé sem nenhum feitiço para evitar as escadas, ou simples e mundanas rampas. 

Mas então fila de alunos estagnada na última procissão de degraus, e ela enfim ergueu os olhos. 

Minerva Mcgonagall erguia-se altiva e graciosa ao alto da escadaria, a cauda das vestes estendendo-se ao seu encalço como um rasgo de meia-noite, a aba do chapéu enquadrando um rosto de delicadeza e sabedoria sólidas, firmes, o retrato de uma beleza felina e poder velados. 

Ela não se lembrava de conhecer uma bruxa tão bela, mesmo ao ápice da idade. Uma beleza que irradiava da força nos ossos e na certeza do olhar. Firme e alta e sábia. 

- Bem vindos à Hogwarts - sua voz ecoara através dos corredores, como se o próprio castelo reverberasse suas palavras nos ossos, no coração.- Bom, em alguns minutos vocês vão atravessar essas portas e encontrar seus colegas, mas antes de tomarem os seus lugares vão ser selecionados para as suas casas. 

Murmúrios e sussurros soaram ao seu redor, uma vibração constante de medo e ansiedade. Apenas um aluno à sua esquerda mantinha-se pétreo, quieto, impassível. 

- Elas são Grifinória, Lufa-fufa,  Corvinal e Sonserina - seu coração se incendiara ao ouvir o nome de sua casa, aquela que ela sabia que seria seu lar. Seu abrigo.- Enquanto estiverem aqui, suas casas serão como suas famílias, seus triunfos irão render pontos. Se quebrarem alguma regra, irão perder pontos. No final do ano, a casa que tiver mais pontos irá ganhar a taça das casas...

- TREVOR! - um garoto atirou-se aos pés de McGonagall, os cachos castanhos cobrindo olhos singelos e cálidos conforme os dedos abraçavam uma rã coaxante, ascendendo um arrepio gélido em sua coluna.- Desculpe...

Minerva apenas torceu o nariz antes de se virar. 

- A cerimônia de seleção irá começar em instantes. 

Ela observara McGonagall se afastar, cada passo um vislumbre de graça e elegância conforme o silêncio regia ao seu encalço, denso e serpenteante sob seus pés.

E então a voz soara.

- É verdade, então? 

Fria, alta, afiada. A voz de um regente de ferro  forjado em fogo gélido.

- O que disseram no trem. Harry Potter veio para Hogwarts. 

Bruna se virara para onde os olhares foram atraídos, uma canção de poder e influência tecendo o silêncio e temor em seu nome, tomando-o para si. Conquistando-o.

Um corte se abrira em seus lábios, brilhando com frieza e ironia conforme os olhos fechavam-se num esgar de perversão. Ela conhecia aquele sorriso. 

Era igual ao dela. 

- Estes são Crabbe e Goyle - ele indicara aos garotos ao seu lado, mechas nevadas caindo sobre olhos cinzentos. Frios.- E eu sou Malfoy. Draco Malfoy. 

Uma risada abafada soara acima dele, atraindo o olhar irritadiço de ambos. 

- Acha meu nome engraçado, não é? - seu rosto se contorcera numa máscara gélida de desprezo puro, bela e elegante. - Nem preciso perguntar o seu. Cabelo ruivo, vestes de segunda mão...você deve ser um Weasley. 

Ela esperava mais, vindo dele. 

Vejamos o que ele podia fazer. 

- Palavras tão fracas, principezinho... Diga-me, seu papai costuma brigar todas as suas lutas para que se defenda assim? 

Seu olhar se enterrara sobre ela como uma lâmina, pendendo sobre seu peito e tremeluzindo com ódio ardente. Mas ela não parou. 

- Esperava uma língua mais afiada, vinda de um Malfoy. 

- E quem é você? - seus braços se cruzaram sobre o peito, como se protegesse de suas palavras. Ela mostrou o próprio sorriso, cheio de dentes e presas. 

- Bruna. Brandão. 

O ferro em seus olhos congelou imediatamente. Pálidos, temerosos. Ele sabia quem ela era.

Draco Malfoy não proferiu mais nenhuma palavra conforme McGonagall retornava ao alto das escadas, mas ela pôde sentir seu olhar enterrando-se às suas costas como uma promessa.

Um alvo. Uma rival. Um desafio.