14 - Os membros da corte

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Ortence está sentada entre o pai e a irmã caçula, um ou dois anos de diferença, eu não sei. O pai, Conde de Monic, parece um pouco com o Zé ramalho, exceto pelo cabelo até os ombros, que vive preso e lambido.

Lady Ornela, a irmã, deveria falar mais vezes, gosto dela. Elas são diferentes, não só aparentemente. Ela é tão pálida quanto a Ortence, mas o cabelo é de um castanho acobreado, quase ruivo e seus olhos são azuis escuros e não castanhos. É bem tímida, quieta, e curiosamente amigável.

Ornela perdeu uma das pernas por causa de uma má formação no nascimento, algo assim, e usa uma prótese. Fico tão frustrada quanto ela quando a tratam por "pobrezinha". Eu diria isso sobre a Ortence.

— Lady Isla? — Alguém dá dois toques numa taça para chamar a minha atenção e eu olho na direção do sósia do Zé ramalho.

— Sim? — Coço a garganta.

— O baile, está animada? — Mas é claro que não.

Normalmente, eu não ultrapassaria muito os meus limites para a Rosana não me infernizar, no entanto, sei que se eu quiser me manter longe do noivado, um dos métodos mais eficazes é ser o mais inconveniente possível.

— Por que eu não estaria? — Dou um sorriso largo. — Irão distribuir champanhe e vinhos caros de graça.

Ninguém diz nada.

Ouço a prataria caindo sobre as porcelanas e observo as cabeças inclinarem na minha direção.

Bigodes. Colares de pérolas. Bigodes grisalhos. Brincos de rubis.

Ornela abaixa e aperta os lábios para não rir.

— Ah, querida. — Rosana ri, uma risada convincente, mas nervosa. — Essa garota adora uma piada!

E, eles fingem rir também. Mentiras sociais são uma droga. Diz a lenda que a estrada para o inferno é pavimentada com um monte delas.

— Lamentável o que houve com a senhorita. — A condessa Morgana conversa. — Deplorável.

— A senhora acha mesmo? — Indago e dou um gole rápido no champanhe da minha taça. — A maioria das pessoas acham que foi merecido.

— Ninguém merece passar por algo assim, milady. — Lady Ortence se intromete direcionando os olhos grandes e escuros a mim. — Mesmo que tenha provocado e se sujeitado a essa situação.

Eu não gosto dela.

Mordo o meu lábio com força. Com tanta força que abro o ferimento que já tinha nele.

E se eu jogar o champanhe no rosto dela? Será merecido ou ela provocou tal situação.

Bebo outro gole, vários goles do champanhe e bato a taça na mesa ao devolve-la.

Os olhos da garota estão esbugalhados, uma mistura de surpresa com nojo, eu sei lá. Apenas sorrio e não digo mais nada sobre esse assunto.

— Será que vocês poderiam me dar licença? — Digo me levantando. — Voltarei em breve.

Deixo a sala de jantar o mais depressa possível. Passo pelas portas de madeira maciça e maçanetas de bronze, por corredores cheios de quadros, muitos quadros.

Se você não se comportar como eles querem, pagará o preço que eles decidirem. O certo, o errado. Tudo isso me confunde por aqui.

Continuo andando entre paredes luxuosas, repletas de fotos da família, até chegar na ampla sala de estar, cujo o único barulho que eu ouço é o da lenha queimando na lareira.

Só que não por muito tempo.

O som do salto da Rosana a denúncia muito antes dela chegar perto de mim.

Onde se Escondem as Causas Perdidas - 01Onde as histórias ganham vida. Descobre agora