Cap 1

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- NÃO.

Acordo subitamente dando um grito...estou toda suada, coração acelerado e com lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu tive novamente um pesadelo, o mesmo pesadelo de todos os dias, um pesadelo cheio de lembranças ruins, onde passei meu pior momento.

Foi tão real.

Foi um alívio acordar e ver que eu estava sozinha e segura em meu quarto.

Me levanto, vou até a cozinha e pego um copo de água. Enquanto bebo vou normalizando minha respiração e me acalmando.

Como eu queria esquecer tudo que aconteceu, deixar tudo no passado.

Mas esses pesadelos vem me assombrando desde que aconteceu o pior dia da minha vida.....onde eu parei de acreditar em tudo e todos a minha volta...onde meus sonhos foram destruídos, minha paz e minha inocência foram tirados de mim da maneira mais suja que existe.

Preciso esquecer, mas não consigo. Eu fecho meus olhos e as lembranças retornam.
Eu simplesmente não aguento mais viver dessa maneira.

Após terminar meu copo de água, retorno para meu quarto, pego em minha bolsinha um comprimido e tomo rapidamente sem ajuda de qualquer líquido.

Me deito na minha cama e agora é só esperar o remédio fazer efeito e eu assim poder ter um sono tranquilo.

Enquanto não adormeço, vou contar um pouco sobre mim.

Me chamo Dulce Milanni, tenho 23 anos atualmente, moro no interior de São Paulo, trabalho em uma lanchonete bem movimentada no centro.
Sai da casa da minha mãe há um tempo, não por causa de problemas com ela ou com o atual marido dela, mas sim por minha própria culpa. Eu me sentia envergonhada depois do que aconteceu comigo há dois anos atrás.

Quando eu tinha 15 anos, ainda na escola eu conheci o Felipe. Ele era um menino popular na escola, muito bonito, era de uma família influente, e tinha três anos a mais do que eu. Então por causa de uma festa que aconteceu na escola nós nos aproximamos....já que nossas turmas se uniram para a organização. No decorrer dos dias viramos amigos.
Aquele tipo de amizade que vai além da escola. Onde eu contava tudo pra ele, a gente sempre saia juntos, tínhamos nossas piadas internas e ainda conversávamos apenas com o olhar. Ele se formou e mesmo assim continuamos amigos.
Ele estava comigo nos meus melhores e piores momentos.
Vibramos quando ele entrou na faculdade de direito.
Eu também me formei, e lá estava ele ao meu lado.
Arrumei um emprego logo após terminar a escola, e ele também estava lá comigo. Ele era protetor comigo e me buscava todos os dias depois do meu turno.
Eu jamais imaginaria que ele poderia fazer algo tão baixo contra mim.

Certa noite depois que meu turno acabou, lá estava Felipe me esperando na frente da lanchonete em que eu trabalhava. Estava com toda a sua pose de boy, escorado no seu carro do ano.
Ele se aproximou de mim, me cumprimentou com um beijo na testa, como sempre fazia. E então depois de me despedir de uns colegas, entrei em seu carro e saímos. Fomos conversando o caminho todo, e sem perceber estávamos na casa dele. Não vi nada de errado, pois as vezes a gente se reunia na casa dele e tomava uma cerveja e comia uma pizza.
E aquela noite pra mim não seria diferente.
Estávamos conversando e bebendo uma cerveja, quando ele foi se aproximando de mim e começou a me tocar intimamente.
Lembro perfeitamente de ter dito não e empurrado ele levemente. Mas ele estava insistente demais, e continuou a se aproximar e ia beijando meu pescoço, e foi descendo os beijos. Ali eu já comecei a ficar apavorada.
Aquele não era o Felipe que eu conhecia.
Ele foi forçando para tirar minhas roupas, e eu me debatia dizendo não, meu desespero era tanto que sem perceber, lágrimas grossas já escorriam pelo meu rosto. O zíper que tinha no meu vestido foi quebrado e logo eu estava sem roupa no chão de sua sala.
Ele me imobilizou ali no chão ainda, e apenas disse para que eu ficasse quieta.
Era inútil lutar, o Felipe dava o dobro de mim, era mais forte...Fiquei em choque por aquilo estar acontecendo comigo, decidi apenas ficar parada enquanto ele fazia o que queria.
Eu só desejava que aquilo tudo acabasse logo.
Eu senti tanta dor, afinal eu era virgem. Estava esperando a pessoa certa. Por mais que seja raro achar essa pessoa. Eu estava esperando o momento certo, com a pessoa que eu iria achar certa.
Mas meus sonhos foram destruídos naquele momento.
Senti tanta dor, uma dor que eu jamais senti na vida.
Eu fechei meus olhos com força e fiquei esperando tudo passar.

Eu só pensava "Porque isso está acontecendo comigo? ". E não achei nenhuma resposta.

Tentei pensar em outras coisas, pra esquecer aquilo que estava acontecendo.
Me desliguei do momento.
Quando finalmente senti ele saindo de cima de mim, permaneci ali parada. Sem me mover. Ainda em estado de choque, sem acreditar no que tinha acabado de acontecer.

Passou um tempo e senti sua respiração pesada. Ele tinha adormecido, e mais do que rápido peguei minhas coisas e sai de lá.
Já era tarde da noite e sem me importar fui pra minha casa aos prantos.

Chegando em casa, todos estavam dormindo. Eu entrei em completo silêncio, peguei uma troca de roupa e fui para o banheiro. Entrei de baixo do chuveiro e me lavava enquanto chorava silenciosamente. Me esfreguei tanto que minha pele ardia...mas eu ainda me sentia suja, eu estava com nojo de mim. Fiquei não sei quanto tempo debaixo da água, mas quando percebi meus dedos enrugados, sai, me troquei e fui para meu quarto e lá fiquei na cama, chorando até pegar no sono.

A partir daquele dia, meu mundo ficou sem cor. Aquela noite tinha feito minha vida perder o sentido. Eu não estava vivendo mais e sim sobrevivendo cada amanhecer. Eu estava no modo automático.

Os dias passaram e comecei a fugir do Felipe, assim como o diabo foge da cruz. Comecei a evitar minha mãe e amigos que eu tinha.
Eu estava morrendo de vergonha de tudo o que houve, com nojo disso.

Contei isso apenas para uma amiga, ela estava longe e eu pude desabafar sem medo que ela estaria aqui ao meu lado me julgando.
Ela insistiu para que eu fosse a delegacia e denunciasse o Felipe.

Mas eu não poderia fazer isso.

Quem iria acreditar nisso?
O Felipe era filho do delegado da cidade. E eu era apenas uma garçonete, que ao ver de muitos estaria querendo ter algum tipo de fama, ou ganhar algum dinheiro. Não sei o que pode passar na cabeça de pessoas tóxicas.

Eu bebi duas cervejas com ele, e estava sozinha com ele, na casa dele. Quem poderia me dizer com certeza que eles não iriam me culpar por ter feito tudo por livre e espontânea vontade? Quem iria garantir que eu estava ali apenas bebendo algo com um amigo, sem maldade e não flertando com ele propositalmente?

E o Felipe que fez isso comigo?
Ele vai usar as bebidas que ele tomou como a desculpa por ter feito o que fez.

Quem iria levar minha denuncia a sério?
A culpa iria cair toda sobre mim.
E eu mesma estava acreditando que a culpa era minha. Eu confiei em ir com ele pra casa dele. E se alguma coisa que eu fiz ou falei despertou o desejo nele? E se sem perceber eu insinuei algo? Eram tantos "E se" que eu só não sabia o que pensar.

Eu me sentia culpada, com vergonha, com nojo, e com medo de alguém saber de toda essa situação.
Eu simplesmente sai de casa sem nem dar explicações pra minha mãe, eu só disse que precisava de espaço. Ainda falo com ela, mas é tudo bem vago. Me fechei muito e não deixo meus sentimentos expostos.

Aluguei um kitnet e desde então estou aqui sozinha sem ninguém....só esperando o dia em que essa dor vai passar e eu vou viver novamente.

O que eu preciso é recomeçar em um lugar novo.

E é pensando nisso que adormeço profundamente.

Velhas Feridas, Uma Nova Mulher Where stories live. Discover now