Um

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Perder alguém nunca é normal, a morte é algo natural mas quando a pessoa se vai tão drasticamente tudo muda. Milhões de perguntas surgem em sua mente, para não aceitar o fato de que chegou a hora daquela pessoa tão querida partir.

E se ele tivesse tomado mais cuidado?
E se ele tivesse recusado a subir naquele lugar?
A culpa é do EPI que não o protegeu direito?

Essas perguntas flutuam em minha mente enquanto as lágrimas pesadas vão de encontro ao meu rosto pálido. Posso sentir o gosto salgado das mesmas. Entretanto, o imensurável amargor da morte supera tudo.

— Chegamos, vou pegar suas coisas. — Diz meu tio — olha que já está ali no portão, Isabella.

Observo a mulher que sorri fraco com minha chegada. Minhas mãe. Assim que o carro para eu pulo para fora e corro em sua direção, abraço forte a mulher que retribuí e logo choro copiosamente chamando atenção de algumas pessoas na rua. Não demora muito para estarmos dentro da casa de minha mãe, era confortável. Meu tio pega minhas coisas tais como roupas, maquiagens e etc e põe na sala.

— Bom que chegaram bem — Mamãe dia sem jeito.

— Sim, Amélia. Só tivemos que parar ali na entrada para explicar aos meninos do tráfico o que estamos fazendo aqui.

— Sinto muito, Antônio, pela sua dor.

Meu tio funga tentando segurar as lágrimas em frente a nós duas.

Antônio é irmão de meu pai, que infelizmente veio a falecer no dia de ontem durante um serviço que fazia em altura. Meus pais se separaram quando eu tinha nove anos, Amélia — minha mãe — veio morar com minha tia na favela. Meu pai não permitiu que eu viesse junto por ser perigoso, na época a favela vivia em guerra. Hoje com dezoito anos perdi meu pai e ao invés de vir passar o final de semana com minha mãe, como sempre, eu vim para ficar desta vez.

Gosto da comunidade, tenho até uma amiga aqui — Joyce — a mesma foi a única que fez questão de se aproximar de mim quando eu vinha visitar minha mãe.

Quando meu tio se foi, Amélia lançou seus olhos sobre mim, era nítido que a mesma também estava sofrendo mas tentava disfarçar. Talvez estivesse tentando ser forte por mim ou talvez ela realmente não se importasse. Eu não sei. O silêncio não é bom quando estamos de luto, ele traz lembranças e junto com elas as lágrimas ganham espaço.

— Por que não foi ao enterro? — Indago fitando o chão — Perguntaram por você, eu não soube responder.

— Queria ter ido mas seria complicado para mim, Isabela. — finalmente a encaro — não pense que odeio seu pai,muito pelo contrário, o admirava mas não posso mentir ainda estou magoada.

— Pelo amor de Deus! Fazem quase dez anos, mãe. O homem morreu te amando e você não pode se quer ir vê-lo na merda de um caixão — Digo um pouco nervosa.

Amélia se senta no sofá e respira fundo. Ela busca palavras. Sei que a mesma não gostou nenhum pouco do tom.que eu usará, todavia, não era momento para um sermão sobre isto.

— Quem ama não faz o que ele fez comigo, Bela.

Havia tristeza em sua voz.

— Como vou saber, vocês nunca me contaram o motivo da separação. Conta agora mãe, vai.

Me aproximo esperando obter alguma resposta mas ela se levanta e nega. Há lágrimas em seus olhos, este assunto nunca será bem vindo.

Passo minhas mãos pelos cabelos sentindo os meus um tanto quanto ásperos pela sujeira. Preciso de um banho e comer alguma coisa também. Como quem lê mentes minha mãe diz:

— Vou fazer algo pra você comer. Gosta de escondidinho ainda?

— Sim.

— Vou ir até ao mercadinho comprar algumas coisa que faltam para fazer. Que vir comigo? Talvez seja bom para você sair um pouco mas se preferir, pode descansar.

Ela aguarda minha resposta enquanto ajeita sua roupa. Apesar de pobre, Amélia sempre foi bastante vaidosa. Com quinze anos de idade veio de Portugal para o Brasil com minha tia e meus avós — que faleceram um tempo depois do casamento dos meus pais —. Ela ainda mantém contato com a família em Portugal mas diz que não volta para lá pois acha o Brasil muito melhor. Ah, mas é claro que eu sei que ela está mentindo, alguma coisa aconteceu para Amélia preferir morar em uma comunidade ao invés de ir para outro país. Minha tia Carmélia faleceu a dois anos atrás e deixou sua casa para minha mãe, ela conheceu um rapaz e construiu essa cadinho na comunidade, o rapaz foi embora com outra mulher e largou minha tia sozinha. Isso é tudo o que sei.

A Bela e a Fera da favelaWhere stories live. Discover now