Catorze

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T R A N S F O R M A R

***

Alguém havia destrancado a porta, mas não me atrevi a sair. Princesa Elizabeth estava ao meu lado sob as cobertas tirando um cochilo enquanto eu acariciava seu pelo aloirado.

Algumas horas antes, vi a carruagem do meu pai parar em frente à mansão e depois escutei vozes abafadas que vinham do escritório do meu tio. Alguns dos gritos eram do meu pai, ele parecia alterado pelo seu tom de voz. Eu estava preparada para o pior, esperando que uma criada me chamasse para almoçar, mas em vez disso, a criada tirou um vestido rosa do guarda roupa e me chamou para preparar meu cabelo.

Quando estava pronta para descer, não desci. Meus dedos estavam suando sem parar, meu coração acelerado era como marteladas contra minha pele. Não tinha coragem para encarar meus pais, não agora e talvez nunca. Depois de tanto tempo longe deles, eram desconhecidos para mim.

E se estavam achando que eu ia baixar a cabeça e concordar com qualquer coisa que quisessem, estavam enganados.

A porta se abriu e entre o meio estava meu pai com o braço encostado no batente. Não lembrava o quanto ele era alto e forte, o maxilar marcante e os cabelos ruivos brilhantes como o meu. Os olhos escuros semicerraram na minha direção.

— Você está bem? — Ele perguntou, dando um passo para dentro do quarto.

Apertei os punhos e fechei a cara.

— Sim, mas não graças a você. — Respondi, me levantando da cama. Quando fui passar pela porta, meu pai agarrou meu braço e suspirou fechando os olhos.

Tive que me segurar para não deixar escapar tudo que estava entalado na minha garganta.

— Filha, eu...

— Me solta. — Pedi. Minha voz saiu firme.

As mãos do meu pai pararam em meu cabelo, afagando meu fios claros antes de me soltar de uma vez. Foi difícil olhar para o seu rosto e não sentir vontade de chorar, de lembrar que ele me colocou naquele internato sem me consultar.

Tomei fôlego e desci para a sala de jantar. Minha mãe estava sentada de costas para mim, fingindo estar dando ouvidos a minha tia que tagarelava sem parar, e ainda por cima, ela estava falando de mim. Não eram coisas boas.

Mas nem me importei. Já sabia que o que saísse dos lábios de Amélia não seria elogios ou algo parecido.

Tio Alfred surgiu com meu pai atrás de si pelo mesmo caminho que tomei. Puxei uma cadeira longe das mulheres, ciente que os olhos verdes da minha mãe estavam em mim. Logo meu pai já estava sentado ao lado da sua esposa, trocando palavras com os olhos silenciosos.

Meu tio sentou ao lado da minha tia.

— Então? — Amélia se pronunciou, olhando para os meus pais. — Não vão falar com ela?

— Agora não. — Foi a resposta do meu pai, com a cara fechada.

Meus tios não se atreveram a dizer mais nada.

O almoço foi servido e comemos em silêncio. E assim como o meu, o prato de meu pai estava farto de salada e frutas, nada de carne, apesar da minha mãe dizer para ele comer um pedaço de cordeiro assado. Às vezes, os olhares de todos e até mesmo dos criados se dirigiam a mim como uma forma de repreensão. Como se eu fosse a errada entre todos eles.

Certo que foi errado fugir para Londres, sair sem dar notícias, no entanto, a vida era minha, não deles. Não tinham que se intrometer.

— Evangeline, vamos conversar no escritório. — Meu pai disse, depois que terminou de comer.

ÊxtaseWhere stories live. Discover now