A curiosidade não me atraia como antes. Estar ali fazia meus pensamentos borbulharem, o medo e a insegurança chegavam até mim com facilidade.

Eu estaria perdendo tempo? Quem eu era? Essa era a escolha certa? Para a vida... eu havia escolhido o caminho certo?

Decidi então que gravaria as palestras e pediria para a estagiária fazer o relatório na manhã seguinte. Eu queria estar alheia, fora do mundo jurídico, e decidi ignorar tudo aquilo. Ou tentar.

As duas palestras demoraram a passar, havia apenas mais uma e eu a contragosto do meu chefe e imaginando que meu ato custaria mais lamúrias, resolvi abandonar o anfiteatro.

Havia me levantado, mas algo me fez congelar. A voz daquele que indicava a temática da palestra soou como um raio e me atingiu.

Desencontros do futuro.

Kim Seokjin.

Kim Seokjin, eu conhecia aquele nome.

Eu vasculhei em minha mente e encontrei. Era o artista daquela exposição onde encontrei a lua. A lua. Ela poderia estar aqui.

E mais uma vez, como naquele dia, minha alma me controlou. E sem que eu quisesse, fez meu corpo virar e encarar o palco. E então eu o vi.

Nossos olhos se encontraram. Kim Seokjin? Esse era o nome dele? Ele era o artista? Eu... eu havia dito que sua obra era perda de tempo?

Eu quis sumir, quis nunca ter ido a palestra. Maldito seja o dia que consegui esse emprego. Ou bendito?

Ele então sorriu, e era aquele sorriso.

Minha alma me guiou de volta ao meu lugar e eu me sentei. Estava agora, como ouvinte, entregue àquelas palavras e ansiava curiosa por sua palestra. E, desta vez, além da minha alma, meu corpo também queria estar ali.

– Hermann Hesse uma vez disse

"Para nós só havia um dever e um destino: chagarmos a ser perfeitamente nós mesmos, conformarmo-nos inteiramente à semente da natureza em nós ativa e vivermos tão entregues à nossa vontade que o futuro incerto nos encontraria prontos a tudo o que pudesse trazer consigo".

– O futuro é incerto, duvidoso e muitas vezes nos causam calafrios, você pode se perguntar "estou no caminho certo?", "essa é a escolha certa?", mas, tem de entender que, certo e errado é relativo, o que Hesse me ensinou foi que o futuro é aquele que nos leva a conhecer nós mesmos, independente da estrada que você tomar como rumo. Pode ser tortuosa, perigosa, podem aparecer diversos desafios, mas ainda sim será a sua estrada, aliás, outra coisa que Hesse me ensinou:

"Nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo"

– Então sim, vai ser difícil, como tudo na vida, a vida em si é uma trajetória de conhecimento, de autoconhecimento. E se conhecer não é fácil. A nossa natureza, aquilo para o qual nascemos para fazer uma hora ou outra vai brilhar na estrada. Volto a citar Hesse:

"Ninguém pode escolher a onda a que obedecerá nem o polo pelo qual será atraído".

– Não podemos desconsiderar que há uma linha tênue entre o fracasso e a vitória de um futuro, mas novamente, é relativo, uma vez que o futuro só se completa se você conhecer a si mesmo. A estrada que você tomou não é errada, pois ela tem apenas um destino, você mesmo, você não vai fracassar se não conseguir o carro do ano, dinheiro ou qualquer satisfação material que o mundo te impõe como sinônimo de felicidade. Fato é que, o que você pensa ser essencial, é secundário, seu curso, seu trabalho e suas conquistas materiais, não são seu futuro. Se em alguns anos você chegar a um cargo altíssimo no governo, mas não conhecer a si mesmo, então você não chegou em seu futuro verdadeiramente falando, em um futuro de satisfação.

Meus olhos nem piscavam, eu não queria perder nada, nem uma fala, nem um movimento, eu o via, e queria gravar aquela imagem para sempre em mim. A palestra fluía e quanto mais ele compartilhava seu conhecimento comigo mais seu corpo brilhava.

– A nossa escolha, ainda que pensemos ser errada, vai te fazer chegar a um destino querendo você ou não, é inevitável, não se preocupe, afinal, não escolhemos de fato àquilo que vai nos atrair e em consequência nos fazer felizes e satisfeitos, apenas seguimos a semente dentro de nós. Então confie em sua natureza. A natureza humana, aquilo que há dentro vai te fazer voar.  Por todos os caminhos que você ande, estará andando para se encontrar, e isso jamais será errado. Pode-se tirar proveito de cada coisa da vida, pode-se sentir e apenas sentir, deixar se guiar por ele e ainda assim não será errado.

Ele caminhava enquanto falava, parecia que seu corpo precisava de espaço, a inquietude com tratava do assunto o colocava em movimento e as palavras saiam, não como se fossem ensaiadas, mas como se tivessem sido pensadas e refletidas por anos. Sua confiança me inundava de orgulho e admiração. Eu queria ser como ele. Eu queria com todas as minhas forças.

– Se ao final da vida, você tiver se encontrado, então terá certeza que tomou o caminho certo. Pode-se chegar ao destino antes mesmo do fim da vida, e isto é uma dádiva, aproveite. Mas enquanto isso, enquanto você não tem certeza, deixe a incerteza de lado e viva, viva a vida, viva esse caminho que escolheu intensamente, ou parta para novos caminhos. O fato é que, qualquer um que tomar, não será o errado. Apenas sinta, sinta a natureza e a semente sendo ativa dentro de você e siga, siga com força e com vontade. O importante é nunca parar de procurar e nunca silenciar a voz que vem de dentro.

Ele então se posicionou no meio do palco, olhou em meus olhos e disse sua frase final.

– Como podemos ter certeza que nossa escolha errada se nem conseguimos enxergar o resultado? Viva, apenas viva, ouça sua voz e voe alto.

O anfiteatro se inundou em palmas e todos ficaram em pé para agradecer as palavras de Kim Seokjin. Mas eu não, eu não consegui, assim como o anfiteatro meus olhos se inundaram em lágrimas, e minha alma pareceu ter deixado meu corpo, eu estava vazia.

Tudo se silenciou. Como aquele dia. Eu olhava a minha volta e as pessoas ainda estavam lá, mas nada, nada se podia ouvir, exceto pelo soar de um sino. Aquele sino.

No minuto seguinte, me senti preenchida novamente, minha alma havia voltado a meu corpo e dessa vez estava cheia, repleta por conhecimento, eu me senti viva, ela havia ido recolher algo para colocar em minha bagagem e agora, ela pesava, mas não doía. O peso do conhecimento me fazia completa.

Eu consegui me colocar de pé e enfim sorri. Genuinamente feliz.

Assim que o anfiteatro se esvaziou, eu caminhei até o palco onde Kim Seokjin continuava brilhante, mas agora rodeado pelos outros palestrantes.

– Kim Seokjin.

Ele olhou para mim e se afastou de seus colegas fazendo uma reverência.

– Você veio.

– Você sabia que eu viria?

– Não ouviu a palestra? Os caminhos que toma te levam a conhecer quem você é.  

Ele tinha razão, parecia que Seokjin sempre tinha razão. Eu estava ali por um motivo, ele sempre esteve em meu caminho por um motivo e agora, isso parecia ainda mais claro.

– Obrigada por compartilhar seu conhecimento comigo – Eu estiquei a mão para cumprimenta-lo. Sua palma preencheu toda a minha e seu aperto fora delicado, forte, mas cuidadoso.

Em seguida, lhe entreguei os seis smeraldos.

– Você ainda se lembra?

Ele estava se referindo àquela época, e meu corpo estremeceu, não queria lembrar, queria apagar e fingir que tudo aquilo nunca havia acontecido, era vergonhoso e me trazia repulsa. Mas eu concordei, não poderia negar que eu ainda me lembrava.

E era o suficiente. O vazio parecia estar preenchido e isso bastava. Eu fiz uma reverência e sai. Antes que pudesse deixar o anfiteatro algo me deteve. Sua mão em meu ombro me fez parar, senti o calor de seu corpo se aproximando de minhas costas.

– Você fica uma graça de vermelho. – E então acariciou o topo da minha cabeça, como se dissesse "bom trabalho" e eu me senti acolhida. Vi sua mão se esticar ao meu lado, ele segurava um único smeraldo. – Leve com você, para que também nunca se esqueça deste dia.

Eu peguei o smeraldo e sai sem olhar para trás.

A quintessência de SeokjinWhere stories live. Discover now