Capítulo 08 - Que nem você

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― Por favor – minha voz saiu fraca. Bruno começou a andar na nossa direção. – Fala alguma coisa, fala alguma coisa engraçada!

Eu precisava afastar aquele homem em movimento de perto de mim, de qualquer maneira. Precisava fingir que estava envolta numa conversa muito profunda com Eduardo, engraçada e maravilhosa, para que ATÉ ELE se sentisse constrangido de interromper.

― Eu não sou engraçado sobre pressão, Amanda – Eduardo respondeu, mas Bruno já estava perto demais.

Comecei a rir, mesmo sem achar graça. Na verdade, era um pouco engraçado. O sorriso frouxo dos últimos dias dele tinha sumido e seu rosto estava transfigurado em uma espécie de nervosismo. Aí eu comecei a gargalhar e seu sorriso voltou. Bruno passou por trás de Eduardo, seguindo seu caminho, me encarando como se soubesse o que eu estava fazendo.

Caguei, Bruno. Dane-se você.

Espero que meu olhar em sua direção tenha deixado isso bem claro para ele.

― Seu sorriso é lindo – Eduardo disse.

― Agora não precisa mais fazer piada – tentei descontrair o clima, mas aquela pontada no meu coração estava lá de novo.

― Não é piada – ele respondeu, sério.

Voltamos a ficar em silêncio. Se antes era uma fatia de torta de climão, agora era um bolo comemorativo de 500 metros.

― Esse elevador não vai chegar nunca – ele disse, olhando o visor por cima do meu ombro. – Vou de escada, mesmo. Te vejo mais tarde, então.

― Ok – respondi. Porque era tudo que eu conseguia responder.

~~

Se eu já estava sem vontade de ficar de vela com Lila e Gustavo, o fato deu não ter mais a menor ideia de como agir com Eduardo por perto, acabou de resolver meu problema. Eu não ia mesmo ficar perto deles. Fugi o máximo que pude deles durante o restante da segunda e, na terça, colei com Igor e Ana Júlia. Eles estava mesmo reclamando que eu estava sumida, que nunca ficava com eles, que isso e que aquilo.

 Não demorou nem quinze minutos para eu lembrar porque também estava evitando Igor e Ana Júlia. A culpa não era deles, eu que estava errada. Eles tinham todo o direito do mundo de ficar conversando sobre música, sobre cantos e sobre a apresentação final. Afinal, era um acampamento de música. O problema era COMIGO se eu não conseguia nem mais ouvir essa palavra sem ter vontade de me coçar.

Claro que eu tentei mudar de assunto várias vezes. Por exemplo, perguntando sobre porque eles nunca iam as festas, mas eles continuavam evasivos e logo davam um jeitinho de mudar de assunto. Eu estava com medo de saber a verdade, porque, na minha cabeça, isso tudo SÓ PODIA significar que eles eram os contrabandistas de bebidas.

O acampamento estava enlouquecido atrás desses contrabandistas. Na última festa parece que alguém passou seriamente mal, a ponto de ter que ser removido de ambulância e, nessa semana, a questão tinha virado praticamente uma guerra. As paredes estavam cheias de cartazes avisando que bebida alcóolica era proibida no acampamento e que quem compactuasse com os criminosos também seria penalizado.

Eu queria dizer para Ana Júlia e Igor pararem com isso enquanto ainda havia chance, mas ao mesmo tempo, tinha medo de estar errada. Eu vinha estando errada sobre muitas coisas nesse acampamento.

Cof Bruno Cof.

Depois da aula de canto fui correndo de volta para o meu quarto e não sai mais de lá. Meus níveis de socialização já tinham sido totalmente estourados. Então, fui pro quarto e fiz algo que achei que nunca ia fazer: treinei flauta. Se eu não ia conseguir me apresentar no canto, precisava garantir uma vaga, ainda que bem pequena, na flauta. Meu pai certamente viria me ver e ficaria arrasado se descobrisse que eu não participaria da apresentação. Eu poderia até não contar para ele, mas tenho certeza que os pais de Lila, nessa altura do campeonato, já comentaram com ele.

Acampamento de Inverno para Músicos (nem tão) TalentososOnde as histórias ganham vida. Descobre agora