30 de Junho de 1986 (Segunda-Feira)

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No caminho para o aeroporto ia calada e deprimida. A minha tia entendeu o meu silêncio como um coração partido e não a tentei esclarecer. Porque talvez estivesse mesmo de coração partido.

O mundial do México tinha terminado e assim terminava também a minha aventura. Naquele momento em que me sentia anestesiada e vazia, como uma coisa escavada, não era capaz de recordar ou de sequer comprazer-me com alguma memória. Seguia no caminho sem olhar para trás, esperando que aquilo que tinha vivido não se desvanecesse tão cedo e que pudesse ficar comigo para sempre.

O meu namorado mexicano! E só essa designação espirituosa foi capaz de me arrancar um sorriso contrariado.

Estava de partida para Portugal. A comissão concedida à minha tia terminara. Ela tinha feito contactos importantes na área, tinha trabalhado em escavações, tinha reunido material precioso para o seu doutoramento, todos os objetivos cumpridos e o passo lógico seria regressar a casa.

O meu objetivo também fora cumprido: tinha ido ver um jogo de futebol do mundial. Mais do que um. E ainda tivera direito ao bónus de privar com duas seleções que participavam na competição. Mais do que cumprido, o meu objetivo foi superado. Findas as contas, eu tinha aproveitado melhor aquela quinzena no México.

Chegadas ao aeroporto seguimos as rotinas devidas. Entrega das malas, check in, controlo de passaportes. Olhei para o carimbo com a data de saída do país, ao lado do carimbo com a data de entrada. Foram quinze dias alucinantes! Senti-me afortunada e devia sentir-me assim, já que eu era a deusa Fortuna encarnada. Pelo menos fora-o, pelo tempo de um suspiro depois de alguém ter sonhado comigo nessa pose.

Passámos para a zona restrita para aguardar o embarque. Como se tratava de um voo internacional, a minha tia quisera vir para o aeroporto com três horas de antecedência. Conseguimos despachar-nos em menos de duas e ainda tínhamos uma hora de espera até à designação da porta para seguirmos para o nosso avião. Era de manhã.

Sentámo-nos nas cadeiras de plástico da sala, que se distribuíam por ilhas, ao lado de painéis publicitários. O dia apresentava-se gloriosamente brilhante nas grandes janelas. Pelas paredes espalhavam-se ainda cartazes alusivos ao mundial. Olhei para a mascote que aparecia em todos eles. Considerei que devia ter comprado um bonequito, a malagueta verde trajada de futebolista que ostentava um imenso sombrero. Perdera a oportunidade, uma pena.

A relação com a minha tia melhorara bastante a partir do momento em que eu voltara para casa e quando no nosso horizonte temporal existia a viagem para Portugal. Ou seja, já não havia qualquer hipótese de eu fugir, escapar-me e de contrariar as suas ordens e, por consequência, a sua autoridade.

Entregou-me um dos livros que lhe tinham oferecido no instituto para que eu o lesse e me distraísse durante aquela espera. Também para me ocupar durante as primeiras horas dentro do avião. Era um livro académico, publicado pelo próprio instituto, sobre túmulos aztecas. A minha tia explicou-me que visitara um desses túmulos naquela primeira semana, quando fora para as escavações na selva. Abriu-me o livro na página certa e contou-me alguns detalhes muito interessantes.

Comecei a leitura. No entanto, não consegui avançar muito, pois uma agitação ruidosa surgiu na sala de espera. Muitas pessoas se levantaram e foram ver o que se passava. Tirei os olhos das páginas, perguntei à minha tia o que era aquilo. Ela negou saber do que se tratava, tão confusa e ignorante quanto eu. Foi quando escutei o comentário fortuito de alguém que passava à minha frente. O homem ia com tanta pressa e tão distraído que tive de encolher as pernas ou ainda tropeçava em mim e estatelava-se ao comprido.

Arrepiei-me até ao tutano.

– É a Argentina! – dizia o homem, a voz embargada de emoção. – É Maradona!

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now