20 de Junho de 1986 (Sexta-Feira)

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Hoje era o dia para tirar a ligadura do tornozelo, mas Jacques Blanche não o fez. Perguntei-lhe porquê, se me sentia melhor e já não me doía a andar. Tinha deixado de coxear e até me esquecia de que estava lesionada.

– Mais dois dias. Só para prevenir – respondeu-me.

– Não me dói, Jacques.

– Só para prevenir – insistiu.

– Viste-me ontem...

– Sim, vi-te ontem a marcar um penálti ao Pfaff – confirmou, guardando o material do penso na sua pequena mala. – Não tiveste sequelas depois, percebi, durante as refeições e na hora da piscina. Ou seja, não coxeaste efetivamente. Mas como te disse, é só para prevenir. Repara que te coloquei uma ligadura mais leve e já não te passei pomada.

– Sim, pois foi...

– Continua a fazer o teu descanso. No domingo de manhã tiro-te isso e ficas livre dos meus cuidados.

– No domingo... mesmo a tempo para poder pular sem restrições com os golos da Bélgica no jogo contra a Espanha.

Sorriu-me.

– Isso mesmo, menina. Para pulares com os nossos golos.

Fiquei no banco do campo de treinos a ver os jogadores que se afadigavam em exercícios. Eram observados pelos treinadores, demais técnicos e preparadores físicos e também pelos jornalistas que solicitavam entrevistas breves. Berravam o nome de um jogador para dentro de campo, Guy Thys dava autorização e esse jogador aproximava-se do gradeamento para responder às perguntas que lhe faziam.

A imprensa estava ao rubro na antecipação dos quartos-de-final do mundial, contara-me Nico no jantar do dia anterior. Primeiro por causa do México que iria jogar contra a todo-poderosa República Federal da Alemanha. A seleção anfitriã continuava a surpreender por ter chegado tão longe e tinha uma enorme vantagem ao contarem com o apoio de um país inteiro. Depois, o grande confronto que se adivinhava entre o Brasil e a França que era a campeã da Europa de 1984.

Ao referir o Brasil, manifestei, mais uma vez, a vontade de ir ver a seleção canarinha jogar. Nico respondeu-me que Guadalajara era demasiado longe. Continuava demasiado longe, para pena minha. Nico não notou como fiquei contrariada e prosseguiu na sua análise.

Havia também o jogo da Bélgica e esse tocava-os mais pessoalmente. Iria ser uma partida difícil, mas não complicada e a imprensa dividia-se quanto ao vencedor. Por fim e sem menosprezar, o jogo magnífico daquela ronda: o Argentina, Inglaterra. A imprensa andava totalmente eufórica a cobrir esse encontro de dois rivais, no campo e na vida real, vaticinando resultados e consequências desses resultados.

– O teu amigo Diego e os outros argentinos estão debaixo de uma grande pressão. Isso nunca é bom antes de um jogo decisivo. Já basta a pressão normal que temos em cima, para darmos o nosso melhor em campo. Dispensamos ruído exterior, mentiras e fantasias. Neste momento, a imprensa está a inventar muito em relação à Argentina. Estão a exigir uma vitória, uma vingança... Uma coisa assim... desproporcional. É só futebol, caramba.

Enfiei uma garfada de massa na boca. Mastiguei e pus-me a pensar. Diego era meu amigo? Pois se calhar... sim. Gostaria de falar com ele nestes dias antes do jogo de domingo, mas por outro lado retraía-me. Não queria lançar mais confusão na seleção argentina e temia estar a ser intrusiva se me pusesse com telefonemas. Diego podia querer sossego e, para mais, não tinha assim tanta certeza se estava autorizada a perturbá-lo como uma das suas amigas.

A conversa seguinte foi sobre política que eu me limitei a escutar. Falou-se na guerra das Malvinas que eles chamavam de Falkland, porque era assim o nome inglês das tais ilhas que motivavam a discórdia entre ingleses e argentinos que se queria replicar no futebol. Falou-se ainda na Guerra Fria, na URSS e no novo presidente dos soviéticos que estava a mostrar uma abertura diferente do país em relação ao Ocidente.

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now