18 de Junho de 1986 (Quarta-Feira)

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Tomei um duche, vesti-me causalmente e depois de um pequeno-almoço gigantesco segui com Enzo para acompanhar os treinos da Bélgica naquela manhã. Jean-Marie tinha dado indicações ao rapaz para me orientar, já que ele estava escalado para ser entrevistado pelos jornalistas que iriam assistir à sessão de exercícios e não queria que os homens da imprensa topassem a minha presença.

Reparou na minha cara tristonha.

– O que foi?

– Nada – disse para divergir a sua curiosidade. Sentia-me acanhada de lhe revelar que me tinha apaixonado e desapaixonado por Diego no dia anterior. A pequena discussão que acontecera entre nós era, de certo modo, caricata, envolvia uma calúnia que o visava e não queria ter de explicar essa questão melindrosa. Jean-Marie não insistiu.

O campo onde a seleção iria treinar naqueles dias que antecediam o seu jogo dos quartos-de-final situava-se dentro do resort. Era um relvado servido por balneários, uma estrutura que se destinava a exercícios simples e exploração de táticas do selecionador. Junto à casa dos balneários havia ainda uns arrumos onde se guardavam bolas, cones de plástico e outros equipamentos.

Os jornalistas capturaram alguns jogadores à entrada do campo e começaram a fazer-lhes perguntas. Um desses jogadores era Jean-Marie. Eu tinha cortado o cabelo no dia anterior, mas mesmo assim estava comprido. Então, escondi-o no boné com as cores belgas. Enzo deixou-me com Jacques Blanche e foi com o massagista que entrei no perímetro do campo. Viu-me a coxear e deixou-me num banco, com instruções para que ficasse ali quietinha, só a assistir. Assenti. Não pretendia fazer mais nada.

Ajoelhou-se à minha frente e pôs-se a fazer uma nova ligadura para o meu tornozelo, depois de lhe passar uma pomada que me deixou a pele a arder.

– Soube que conheceste o Maradona ontem.

– Soubeste? – guinchei.

Olhou-me de sobrancelha carregada, admirado com a minha reação. Eu tapei a boca com a mão.

– Toda a gente já sabe que o Maradona esteve aqui ontem e que foram comer um gelado juntos. O Desmet e o Gerets ainda foram à vossa procura, mas não vos encontraram em lado nenhum. Provavelmente o gelado já teria terminado?... – Deixou a pergunta no ar, mas não respondi. – Bem, eles só queriam apertar a mão ao homem. Falar-lhe. Não é todos os dias que se apanha o Maradona fora de um campo de futebol.

– Hum. Sim... ele teve de ir embora – menti. Mordi os lábios.

Jacques não prosseguiu com o assunto do argentino. Repetiu os conselhos de me manter sossegada ali. Só tinha ordem para me levantar para ir à casa-de-banho e para regressar ao hotel. Obedeci. Não me estava a ver fazer outras coisas além disso durante aquela manhã, porque não tinha qualquer papel a desempenhar num treino de uma equipa de futebol a não ser assistir.

Os jornalistas ficaram. Estavam num local próprio, acompanhados por pessoal que fazia também parte da organização belga. Tiravam apontamentos e fotografias. Outro motivo para me manter naquele banco.

Por seu turno, os jogadores dividiram-se em grupos. Vestiram coletes de cores diferentes para se identificarem e começaram com os exercícios programados, orientados por homens de apito preso numa fita colocada em redor do pescoço. Seriam técnicos.

Jean-Marie passou pelo banco. Apertava as luvas nos pulsos.

Salut, ma petite! – Piscou-me o olho e eu, como habitualmente, corei vergonhosamente. Ele riu-se. – Não te apaixones por mim, Tina. Sou um homem casado!

Aquele guarda-redes era um descarado. Jacques passou por mim, a seguir, no sentido contrário e esclareceu-me:

– O Pfaff é muito brincalhão. Está sempre a dizer piadas e a fazer asneiras. Não ligues.

Sonho de VerãoWhere stories live. Discover now