Cordas, acordes e acordos

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O reflexo do sinal vermelho reluzia em seus olhos, e o tic-tac do limpador do pára-brisas ressoava dentro da mente do micro empresário. Era tudo o que ele necessitava naquele momento, uma ação hipnótica que dispersasse os desassossegos que lhe rondam as sinapses após um longo dia de trabalho. Estagnado no cruzamento, encarando o chaveiro de pé de coelho balançando acima do painel de seu carro, Kim Taehyung se amaldiçoou mais uma vez por não conseguir ocupar sua cabeça com qualquer coisa que não fosse a ruína de sua vida amorosa.

A luz verde refletia no belo rosto jovial, indicando que deveria prosseguir na avenida; porém, como a hesitação já havia se tornado parte de suas ações desde os últimos eventos, ali estava e ali ficou.

Estar dentro do seu veículo à noite, em um dia chuvoso e no meio do nada, obviamente não era mais acolhedor que estar no abrigo de seu próprio lar. Todavia, Kim preferia permanecer ali, porque a companhia da sua solidão era a principal via de acesso para ajudá-lo a mensurar o quanto estava fazendo falta a pessoa que comumente ocupava o banco ao lado. E, sim, era muita; era tanta, que naquele dia ele mudou seu itinerário. Tentando preencher esse vazio, ele buscou novos caminhos pelas ruas de Los Angeles.

Após alguns carros se aglomerarem no seu retrovisor e muitas buzinas serem pressionadas impacientemente, Taehyung pisou no acelerador e alterou sua rota. Não sabia exatamente para onde ir, então ficou rodando em círculos, pois esta perfeita simetria e familiar constância inspirava-lhe a dar início a um novo ciclo, só precisava conseguir identificar o trecho que simbolizava o inevitável fim.

Escolheu uma rua qualquer. Não planejou, só seguiu. Algumas quadras adiante, um letreiro luminoso fez com que estacionasse em frente a um bar nunca antes por ele frequentado. Efetuou uma rápida ligação avisando que chegaria tarde em casa, desceu do veículo e atravessou a porta daquele estabelecimento, procurando pela mesa que o deixasse o mais escondido possível. Não queria ser visto, só queria ficar no seu canto e encher a cara com qualquer cerveja barata que lhe rendesse uma bela dor de cabeça no dia seguinte, dessa forma ficaria inapto a pensar no que quer que fosse. Fazia tempo em que não saia para beber, então estava se permitindo o declínio.

O bar estava mais lotado do que o cara solitário de trajes formais gostaria, por isso cogitou ir embora e procurar por outro local que fosse um pouco mais silencioso; contudo, a ideia de ficar sentado à mesa acompanhado de suas recordações lhe gritando aos ouvidos, parecia muito pior do que ouvir as músicas bregas daquela banda que se apresentava no pequeno palco da House of Cards.

Pediu sua primeira cerveja e permaneceu olhando despretensiosamente para o dono da voz que embriagava o ambiente. Baixa iluminação, mas não o bastante para que não conseguisse enxergar o rosto do vocalista.

Copo após copo, música após música, noite após noite; este se tornou o ponto de refúgio do micro empresário, dono de uma pequena rede de lojas de CDs. Gradativamente, a cada nova visita ao bar, Taehyung ia avançando uma mesa em direção ao centro. Depois de frequentar o estabelecimento por quase dois meses, em todos finais de semana, neste dia em questão o jovem sentou-se a duas mesas de distância do palco, perto o suficiente para ser notado pela banda que se apresentava todos os sábados e também alguns dias ao longo da semana. Entretanto, não era isso que ele queria. A intenção era procurar por um novo horizonte que lhe deixasse por algumas horas longe da vista caótica do passado. Um novo começo; era só isso que ele precisava.

Colocar-se em evidência ainda era difícil; esquecer o ex-marido então, parecia estar sendo a tarefa mais árdua que já experimentou ao longo dos seus trinta e um anos de vida. Tudo o fazia lembrar-se dele, até as músicas que o sujeito no microfone cantava. Às duas horas da madrugada, o universo já havia passado de todos os limites, porque o repertório daquela noite estava sendo uma verdadeira afronta para aquele coração partido.

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