Eu odeio a lei de murphy

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A festa do casamento foi ótima, mas eu ainda andava em círculos na minha mente. Passei a maior parte sentada em um banco mais afastado observando o casal. Como eu nunca havia visto nada como aquilo antes? O que me ensinaram sobre amor era uma mentira então? Como alguém poderia saber se tinha aquilo, se era aquela pessoa e não uma outra que naquele momento estava do outro lado do planeta? Não demorou muito até Cissa e Bia aparecerem e me convencerem a tomar algumas taças de espumante e ir pra pista de dança, mas depois da valsa e do bolo resolvi voltar para o quarto.  

Acordei no dia seguinte com Bia e Cissa no meu colo, elas com certeza haviam aproveitado a noite. Deixei elas dormindo, me arrumei e desci até o café da manhã. As únicas pessoas no salão eram as duas tias de Sabrina que de cara já me puxaram para perto. Tomamos café conversando sobre a festa e fofocando sobre parentes que eu nem conhecia. Passamos parte da manhã juntas até Cissa e Bia aparecerem de ressaca e sem nenhuma vontade de socializar. 

Pegamos alguns pratos de comida e fomos para o quarto, onde comemos em um silêncio alternado entre uma reclamação ou outra. Aproveitamos a tarde numa cachoeira próxima e de noite já estávamos energizadas para ouvir mais fofocas sobre a família. Um primo de Lucas contou que a tia mais velha estava brigada com a mãe de Lucas por causa do almoço de domingo. Parece que uma delas não lavou a louça e isso deu caminho pra briga pelo terreno da casa da avó. 

Conseguimos ver o casal do parente sonso e da nora podre discutindo as escondidas, os primos inseparáveis refazendo fotos da infância, o tio do pavê sendo desnecessário com todo mundo, a prima louca, todos estavam presentes. Impressionante como toda família brasileira segue o mesmo padrão, mesmo sendo completamente diferentes umas das outras, o padrão Grande Família sempre aparece em algum ponto. 

O fim de semana no geral seguiu esse roteiro, até domingo no fim da tarde. Quase todos haviam ido embora, Cissa e Bia foram mais cedo e eu fiquei para ajudar a organizar as coisas. Sabrina e Lucas haviam embarcado pra lua de mel em Salvador, eu tinha me comprometido a limpar os espaços e entregar a casa para o dono. 

Não muito tempo depois, o jornal anunciou a chegada de uma tempestade no local e logo em seguida a estrada até a cidade estava bloqueada. Eu estava presa naquela chácara com dois caminhões de equipamento e umas dez pessoas do staff. Liguei para o dono da casa, ele entendeu a situação e disse que podíamos ficar por lá até tudo voltar ao normal. 

—  O staff pode ficar com as casas grandes, assim cada um fica com um quarto. — orientou ele pelo telefone — Se eu não me engano, o padrinho ficou ai também, vocês podem dividir a casa pequena.

Padrinho? Como assim o padrinho estava ali? O que eu sabia, é que no dia da cerimônia, ele estava numa revisão de contrato da empresa que ele tinha com o Lucas, mas não fazia ideia de quem era ele. Fiz questão de acomodar cada uma das pessoas que havia ficado nas casas até ir para a casa pequena que Sabrina havia se arrumado antes do casamento. 

Dos dois quartos disponíveis, um estava com a porta fechada e assumi que o padrinho estivesse lá. Não quis incomodar, então me acomodei no quarto do lado e liguei para as meninas para contar a situação.

— Que sorte, você não precisa ir trabalhar e ainda vai ficar numa chácara sem precisar pagar. — comentou Cissa.

— Quando você deve sair daí? — perguntou Bia.

— Quando as estradas voltarem. Talvez amanhã de noite se eu der sorte. 

— Fura o pneu do seu carro e aproveita pra passar mais uns dias. — olhei assustada.

— Cissa, eu não vou fazer isso. 

— Mas podia.

Bia e eu discordamos com a cabeça rindo.

— Um ponto bom é que eu posso comer a sobra dos docinhos e das bebidas. — disse levando um bombom a boca olhando para a câmera.

— Faz uma marmita, por favor e pega o bombom de leite ninho. — mostrei um pote de sorvete cheio de doces e abri perto da câmera revelando vários doces de leite ninho cobertos de chocolate — Você é uma anja, sabia? 

— Sabia. — respondi rindo.

— E esse padrinho, você sabe quem é? — perguntou Cissa.

— Só sei que ele é sócio do Lucas, não sei nem o nome dele. Preciso falar com ele e avisar que o dono deixou a gente ficar aqui até a estrada ser consertada. 

— Qual o palpite de vocês? — perguntou Bia. Essa era uma brincadeira que fazíamos quando precisávamos encontrar alguém que não tínhamos informação.

— Quase cinquenta anos, barriga de cerveja, camisa social. Talvez se chame Rogério. — sugeri.

— Acho que não. Talvez uns daqueles empreendedores coach que falam tudo em inglês. Provavelmente seria bonito se não fosse assim. — comentou Bia.

— Sim! Ele ainda é neoliberal e acha que SUS é pra desviar dinheiro do governo. — completou Cissa. 

— Por Deus, agora eu não quero ir nem falar com ele. — respondi rindo com preocupação e me alertei quando ouvi alguém batendo na porta. — Deve ser ele, eu ligo pra vocês depois.

— Boa sorte com o incel, mana. — disse Bia.

— Aproveita o seu feriado com o neoliberal. — disse Cissa enquanto eu abria a porta.

Ao contrário do que eu havia pensado, ele não era nem um pouco feio, na verdade, ele era bem bonito, do tipo charmoso com o sorrisinho de lado. A camiseta acentuava um belo e robusto tronco e o perfume forte havia contaminado o espaço em pouco tempo. Seus cachos castanhos recém lavado estavam perfeitamente bagunçados, não tinha um corte muito definido, mas era muito bem cuidado e aparado. Seus olhos eram cor de mel, daqueles que mudam de cor com a luz e perto deles haviam duas pintas muito particulares no meio de suas sardas. 

Meu coração bateu mais rápido. Isso não poderia estar acontecendo. De todos os cenários do mundo, esse era o pior. Nunca havia desejado que o palpite fosse um incel, mas agora qualquer pessoa seria melhor do que quem eu pensava que ele fosse.

— Liz? — ele me olhou surpreso, pelo visto também não sabia que eu estaria lá.

Era ele. Puta que pariu, mas que merda sem tamanho.

Que o mundo vá à merda e outras expressõesWhere stories live. Discover now