Capítulo XXI

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— Christian!

— Cecília. — ele sorri e abaixa a cabeça, beijando a minha mão.

Percebo que seu cabelo havia crescido, gerando alguns fios loiros ondulados. Ele permanecia tão belo quanto a primeira vez que eu o vira, mas novamente, eu não conseguia encontrar nem mesmo uma mísera faísca ao olhar no fundo de seus olhos verdes.

— Viagem longa?

— Cansativa, mas nada que eu já não esteja deveras acostumado. — ele se senta e guia a minha mão a fazer o mesmo. — E você, como está? Tenho gostado de nossas cartas.

— Estou bem. — sorrio engolindo minha própria mentira. Papai me alertara a jamais deixar que a história do envenenamento chegasse aos ouvidos do príncipe, ou de qualquer outra pessoa de fora. Christian certamente não se casaria com uma princesa jurada de morte. Por algum motivo, uma voz em meu interior gritava para que eu fosse sincera com ele. — E você? Como está Várzea?

— Me dando dores de cabeça, mas não quero passar o curto tempo que temos dissertando acerca dos problemas de meu país. — ele olha para o piano, e sorri com os olhos brilhando. — Gostaria de tocar comigo?

— Eu adoraria. — me levanto dando meu melhor sorriso. Eu tinha que tentar.

Apolo me olhava do fundo da sala e eu estava usando uma força descomunal para não desviar meus olhos para a sua direção. Precisava olhar para Christian.

Nós nos sentamos no banco do piano a uma curta distância, e conversamos por extensos minutos tentando decidir qual música tocaríamos. Ele era engraçado e espontâneo. Tocamos por quase uma hora e depois fomos passear no jardim, encontrando coisas que tínhamos em comum e descobrindo que éramos extremamente iguais.

Nunca pensei que aquela tarde poderia acabar sendo tão leve. Christian me contou sobre a sua família, e sobre a falta que sentia de seu pai. Ele possuía uma irmã pequena, e sempre sonhou em ter um lobo. Lobos eram raros em Beaumont, eu nunca havia visto um, e a única coisa que sabia era que eram selvagens, mas Várzea possuía uma longa linhagem de domadores do animal.

O brasão do reino era um lobo dourado, e eu sorri incessantemente quando o príncipe tentou uivar. Eu mal podia acreditar no quanto estava sendo agradável passar um tempo com ele.

Quando o sol começou a se pôr, sabíamos que era hora dele partir. As estradas ainda estavam com grossas camadas de neve, e por isso, era mais seguro para ele ir antes que escurecesse. Com sua gentileza e cavalheirismo de sempre, ele beijou novamente a minha mão, e surpreendendo-me, se ajoelhou.

— Sei que já possuía conhecimento de que traria seu anel hoje, mas não quero que seja apenas mais um momento formal e obrigatório, como todos ao nosso redor desejam que seja. Cecília Beaumont, aceita ser a minha noiva?

— Sim. — respondo com o maior esforço que eu podia para o oferecer um sorriso sincero. Encontrar os olhos de Apolo presenciando a cena não ajudou.

Porque eu estava sentindo um aperto tão grande no peito ao olhá-lo? Em que momento meus sentimentos por ele haviam se tornado tão complexos? Nós nunca tivemos nada além de discussões e olhares. Era uma completa incoerência. Como é possível se sentir tão conectada a uma pessoa dessa forma?

Christian coloca o anel em meu dedo sorrindo, e se levanta, dando um beijo em minha bochecha. Sinto meu rosto corar pelo gesto, e ouço ele falar baixo em meu ouvido:

— Até logo, Cecília. Não vejo a hora de nosso casamento chegar para que eu possa beijá-la novamente, como no baile.

— O quê? — sorrio sem humor tentando entender se havia escutado direito. Ele pisca um olho, entrando na carruagem e saindo com os seus guardas, não me dando chance alguma de conversa. Abri a boca para gritá-lo, mas logo fechei quando me lembrei de que não seria adequado tal comportamento.

Havia sido ele o cavalheiro mascarado? Não era possível. Meu coração dá um salto e eu entro no castelo, atônita demais para conseguir expressar uma única palavra. Seguro meu vestido e ando a passos rápidos ignorando os olhares curiosos de minhas irmãs e minha mãe no salão.

Esbarro em Margot que parecia tão distraída como eu, e entro na biblioteca fechando a porta atrás de mim. Percorro os dedos pelos livros mais antigos até encontrar a antiga capa marrom velha e empoeirada dos reinos extintos.

Ainda sentindo meu corpo um pouco fraco, me sento na poltrona que ficava ao lado de uma pequena janela. Abro as cortinas ao perceber que o local estava com pouca claridade, e levo a mão ao peito no susto ao ouvir a porta da biblioteca bater. Soldado Carter entrou sobre ela, e parou em frente a mesma mantendo a sua postura firme cruzando os braços para trás.

— O que está fazendo aqui? Sempre esperas do lado de fora.

— Novas ordens, alteza. Seu pai ordenou que eu permanecesse por perto mesmo dentro dos cômodos do castelo com exceção a seu quarto, já que possui suas criadas para isso. Faça de conta que não estou aqui.

— Como se fosse possível. — sussurro para mim mesma e me sento na poltrona, sentindo meu pulmão pesar. Apolo dá dois passos em minha direção e para, como se estivesse repensando sua atitude.

— Está bem? — ele me olha preocupado.

— Apenas efeitos colaterais de sobreviver a uma quase morte. — digo tentando fazer uma piada e me surpreendo ao ver que ele não sorriu. — Foi uma brincadeira, soldado Carter.

— Nunca foi boa em brincadeiras, princesa.

— Eu estou bem. — respondo olhando em seus olhos. — Quero continuar com o treinamento.

— Não acho que seja...

— Eu passei muito tempo desacordada, Apolo. Depois de tudo o que me aconteceu, sabe que preciso disso. Eu mal tenho conseguido respirar. — confesso apertando o livro e o vejo olhar para baixo, assentindo.

— Antes da lua alcançar o topo do céu, entrarei em seu quarto para busca-la. Pense em algo para dispensar suas criadas, teremos menos tempo hoje e será mais arriscado.

— Obrigada. — sorrio em sua direção e abaixo a cabeça, tentando voltar a atenção ao livro.

— O que está procurando?

— Informações sobre o reino de Russo. — confesso passando as folhas. Eu queria entender qual era a relação de Christian tal reino, e porque ele se daria ao trabalho de conversar comigo em uma língua morta. Se a intenção era não fazer com que eu o reconhecesse, porque ele confessaria de forma tão natural para mim hoje?

— E porque a princesa se interessaria por um reino que não existe mais? — a voz de Apolo ressoa de forma interessada, e quando eu levanto a cabeça para olhá-lo apoio a mão no braço da poltrona, sentindo uma lasca de madeira entrar em meu dedo.

— Porque... ai. — olho para o meu dedo e o vejo começar a sangrar. Apolo quebrou a nossa distância de forma absurdamente rápida e se ajoelhou em minha frente, segurando a minha mão.

— Se machucou?

— Não foi na...ai! — gemo de dor quando vejo que ele já havia arrancado o pequeno pedaço de uma vez de meu dedo, e estava pressionando com o dele. Em uma atitude que eu não esperava, ele retira um lenço de dentro do uniforme e envolve em meu dedo.

— Irá parar de sangrar. — sua voz rouca sai baixa.

— Desde quando carrega um lenço na roupa? Isso seria uma atitude de um príncipe, não de um guarda.

— Uso para limpar meu suor.

— O quê? — digo desesperada. O olho com a boca aberta, e o vejo soltar uma gargalhada. Reviro os olhos. — Muito cômico, soldado Carter.

— Realmente foi. És tão fresca, fala como se não suasse por debaixo de todo esse vestido. — ele me olha para o meu corpo e eu sinto minhas bochechas arderem. Ele estava mesmo me imaginando nua?

Abro a boca para insultá-lo e paro quando ele retira o lenço de meu dedo e encosta levemente seus lábios até eles, dando um beijo ali. Um arrepio correu pelo meu braço e meu as batidas de meu coração ficaram descompassadas.

— Pronto, está melhor. Voltarei para a porta, a deixarei entreaberta para dar a privacidade que precisa para a sua leitura. Tente não se machucar enquanto isso, princesa.

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