Capítulo IV

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A última coisa que eu estava esperando, naquele momento, era que alguém fosse aparecer. No susto, quando dei o passo para trás e tropecei na barra do vestido, senti duas mãos me segurarem antes que eu caísse direto ao chão.

Os olhos escuros do soldado Carter me encararam e eu tentei me equilibrar de volta tentando ignorar o impacto que minha pele sentiu ao ser tocada por ele.

— O que você está fazendo aqui? Nunca me deixa ficar sozinha? — viro o rosto me afastando rápido e tento enxugar as minhas lágrimas. Isso já estava ficando deveras ridículo.

— Meu trabalho agora, infelizmente alteza, é nunca mais deixá-la ficar sozinha. — ele ergue o rosto e coloca as mãos para trás, em um porte perfeito.

Seu uniforme preto com detalhes em dourado característico do reino entrava em belo contraste com sua pele morena e com o formato do seu queixo. Péssimo momento para reparar nisso agora, Cecília!

— Isso não significa que devas ficar tão perto. Fique do lado de fora! — digo apontando a porta, e o vejo dar outro sorriso torto.

— Acredita mesmo que me interesso em permanecer perto de ti? Vim chama-la. Seu pai a procura.

— Não voltarei ao baile, se é isso que pretende.

— Pelos inúmeros rumores que havia escutado sobre a sua responsabilidade e senso de dever, confesso que estou surpreso com suas atitudes. Qual o problema? Quebrou uma unha? — ele franze o cenho e me olha de forma irônica.

— Não se dirija a mim dessa forma. És muito petulante!

— E vossa alteza, muito imprudente. Avisei ao rei que está aqui. — ele faz a reverência, como se fosse servir de alguma coisa após tantos insultos, e começa a sair pela porta.

— Não será preciso! — seguro a barra do vestido, e ergo a cabeça engolindo os meus sentimentos. — Irei descer.

— Cecília! — meu pai me encontra no corredor, e solta uma respiração

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— Cecília! — meu pai me encontra no corredor, e solta uma respiração. — Sei que como seu pai lhe devo explicações, mas sua saída do baile fora...

— Inapropriado, compreendo! — o interrompo e o vejo me olhar surpreso. — Não se preocupe Rei Joseph, já estou retornando às minhas obrigações. Me casarei com o príncipe, já sei o que iria me explicar. Deveres, não é? Alianças?

— Minha filha, sabes que o reino de Várzea...

— Possui mantimentos que não temos e muita influência política. — o interrompo mais uma vez, e o vejo me olhar impressionado. Soldado Carter permanecia a uma distância razoável de mim, presenciando toda a conversa. — Pois bem, me casarei com o príncipe Christian. Era uma prova que o senhor queria de que eu seria uma boa rainha? Esta é a prova que estou lhe dando. Considere adiantado. Não se preocupe porque ainda resolverei a questão da falta de soldados. Espero que esteja satisfeito pelo sacrifício que estou fazendo pela minha felicidade, papai. Agora com licença, um baile me espera.

Digo e saio com toda altivez que conseguia. Soldado Carter me seguiu em silêncio, e eu desci engolindo toda a minha tristeza.

Eu sempre fora a mais próxima de papai, e ele, sempre me encorajou a ser uma mulher forte e decidida, mas jamais imaginei que ele fosse tomar uma decisão dessa pelas minhas costas, assim como mamãe. No entanto, não tinha tempo de remoer esta dor agora. Eu iria agir como uma rainha deveria agir, e nada me impediria isso, nem mesmo um casamento.

Eu não conhecia o príncipe Christian, não verdadeiramente, e mesmo sentindo uma imensa raiva dele neste momento, sabia que poderia estar sendo injusta. Afinal, ele também não estava sendo arrastado a se casar com uma desconhecida?

Entretanto, meu senso de empatia nesta noite havia sido derramado nas margens mais profundas do esgoto de Beaumont, e por isso, agradeci mentalmente quando voltei ao baile e não o vi.

— Querida Cecília! Estás radiante esta noite, todos já estavam comentando em como havia desaparecido. — diz a Condessa Charlotte, que carregava um penteado estrondosamente exagerado em sua cabeça, como se estivesse querendo chamar pássaros ao ninho.

— Só me ausentei para tomar um ar. — respondo soltando um sorriso terno treinado e a vejo tocar meu ombro, como se fôssemos íntimas.

— Ah, querida, entendo entendo. Muita responsabilidade para uma mulher, não é mesmo? Por isso deixo que meu marido cuide de tudo. Precisa logo se casar. — ela sorri mostrando os dentes e eu engulo uma saliva tentando manter uma expressão serena.

— Creio que eu sou altamente capaz de lidar com minhas responsabilidades, querida Charlotte. Inclusive, comprovará isso daqui uns meses, quando se prostrar diante de sua futura rainha.

— Ah, para que nos lembrarmos disso agora, não é mesmo? Vamos voltar a dialogar sobre casamento. Meu filho está em alvoroços para conhecê-la. George! — ela puxa um jovem que com certeza aparentava ser mais novo do que eu, e praticamente o empurra em minha direção.

— Princesa Ce-Cecília. — ele gagueja em minha frente, e beija a minha mão sorrindo de orelha a orelha. — Aceita dançar comigo?

— Claro que ela aceita, meu filho. Você será o futuro conde! — ela sorri orgulhosa diante ao garoto, que possuía uma péssima costeleta ruiva.

— Senhorita, aceita a honra desta dança? — um homem mais velho e com uma relevante curvatura na barriga faz a reverência diante de mim, e estende uma mão. Quando ele sorriu, vi claramente que o mesmo parecia ter um dente de ouro e um olhar repugnante para a área de meus seios. Olho para ambas as opções desesperada. Qual o menos torturante?

— Eu cheguei primeiro! — diz George, com os olhos quase envolto de lágrimas.

— Com licença senhores, a princesa Cecília já tem par esta noite. — ouço uma voz aparecer por trás de mim, e solto um suspiro.

— Príncipe Christian! Que bom revê-lo. Meu filho George...

— É um perfeito rapaz, Condessa Charlotte. Compreendo. Ele terá futuras oportunidades. Princesa? — ele se vira para mim, e eu entrego a minha mão a sua soltando um sorriso sincero.

— Será maravilhoso, Christian.

A música desta vez estava inteiramente agitada, e a troca de pares estava começando a me fazer soar frio ao perceber George e Dente de ouro haviam encontrado outras mulheres de cobaia para chegar até mim.

— Obrigada. — digo segurando o vestido, e tocando a mão do príncipe enquanto girava ao seu redor. — Por ter me salvado daqueles dois.

— Perdoe-me Cecília. — ele me olha de forma sincera, e solta um sorriso triste. — Não tinha ideia de que você não tinha consciência do acordo de casório dos nossos pais.

— Faz parte dos nossos deveres, não é? Além do mais, não é culpa sua. — respondo tentando ignorar a minha mágoa, e o vejo assentir.

— Quero conhecê-la, se me permitir. Posso convidá-la para um passeio pelo castelo amanhã? — ele pergunta tocando gentilmente a minha mão enquanto dançávamos. Tento ignorar meu coração confuso, e respondo pedindo mentalmente a Deus que me desse uma direção.

— Está marcado.

Inquebrável Coração Where stories live. Discover now