Um copo de whisky ou dois

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– Eu queria ouvir da tua boca as palavras que escreveu ontem – falei olhando para ele.

Ele deu um leve sorriso balançando a cabeça, se aproximou ainda mais do vidro e olhou para fora, com o olhar ainda distante ele começou a falar.

– Ali no parque tem uma barraquinha amarela, a banca da dona Rosa. Um dia depois de uma corrida parei ao lado dela e puxei assunto, ela é muito simpática e nos tornamos bons amigos, eu passei a conversar com ela todos os dias, mesmo quando eu não ia me exercitar.

"Ela me disse que girassóis representam felicidade, vitalidade e lealdade, disse também que eu deveria levar um para a minha namorada. Eu falei que não tinha uma namorada, mas que conhecia alguém que despertava esses sentimentos em mim e que se eu pudesse daria girassóis para ela todos os dias. Dona Rosa pegou uma das flores que estavam na banca, deu na minha mão e falou que era isso mesmo o que eu deveria fazer, aquele foi o girassol que eu te dei quando te busquei na casa do Jonas"

– Então é ali que você consegue todos eles – falei quase para mim mesma.

Me aproximei da vidraça embaçada para olhar a banquinha da dona Rosa, apoiei as mãos e a cabeça para poder enxergar em meio a chuva insistente que escorria pelo lado de fora do vidro. Percebi Bernardo se aproximar e senti sua mão na minha cintura, enrijeci com o toque desencostando da janela, mas ele não parou. Deslizou suas mãos ao redor do meu corpo me abraçando e apoiando seu rosto em meu ombro, sua boca quase tocando minha orelha, um arrepio percorreu minha espinha quando ele sussurrou:

– Diz que você não me ama mais, Camilla.

– Você sabe que eu não posso dizer isso – respondi no mesmo tom.

– Seria mentira?

Eu apenas assenti. Bernardo me virou de frente para ele me fazendo encostar novamente na vidraça, seu rosto quase colado ao meu, seus olhos negros me convidavam a mergulhar no escuro. Meu coração acelerado deixava minha respiração ofegante, ele respirava no mesmo ritmo e eu sentia o seu hálito quente muito próximo da minha boca.

– Eu quero te beijar, mas não vou fazer isso a menos que você se sinta confortável. Você quer que eu te beije agora? – Ele esperou.

Eu não conseguia formular as palavras, nem sabia qual resposta eu queria dar à sua pergunta. Com o meu silêncio ele apenas se afastou em direção à cozinha. Eu fechei os olhos e soltei o ar com um ruído, depois fui em direção à agua que havia deixado na mesa de centro, tomei um longo gole e me sentei no sofá. Bernardo voltou para a sala com um copo de whisky puro e se sentou ao meu lado um pouco afastado, era uma dose cheia demais, porém eu não disse nada enquanto ele bebia.

– Você tem ficado bêbado todos os dias? – Perguntei um pouco preocupada.

– É o que me resta – deu de ombros – Estou sendo acusado de um crime que eu não cometi e por conta disso não tenho um emprego, meus vizinhos me olham torto, tenho vergonha dos meus amigos e minha namorada tem medo de mim, aliás nem sei se ainda tenho uma namorada – ele encarava o copo em sua mão.

– Se não foi você, quem foi? – Era uma pergunta retórica.

– Como é que eu vou saber, Camilla? – Gritou soltando o copo na mesa de centro. – Me desculpa se eu não investiguei o teu sequestro ao invés de ficar em choque rezando por notícias tuas, eu não consegui fazer mais do que isso – ele já estava em pé andando pela sala enquanto passava as mãos no cabelo. – Eu me senti um inútil por todos esses dias e agora só consigo beber e me esconder aqui como um covarde ao invés de provar minha inocência.

– Não foi isso que eu quis dizer... – falei culpada.

– Mas é a verdade. Eu não fiz nada para te proteger e nem para te resgatar, a única coisa que fiz foi levar a merda do dinheiro e isso ainda ajuda a me incriminar – parou de andar e me olhou com pesar. – Eu achei que era ruim não poder te ver, mas é ainda pior você estar aqui e eu ter que encarar o fato de que você não confia mais em mim e eu não posso fazer nada para mudar isso.

Um Lugar para Nós DoisWhere stories live. Discover now