uma confissão - liev tolstoi

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01. a julgar por certas lembranças, nunca acreditei a sério, apenas confiava no que me ensinavam e no que os adultos professavam, à minha frente; mas essa fé era muito vacilante.

02. pela vida de um homem, por suas ocupações, hoje, como antigamente, é impossível saber se ele é crente ou não. se existe diferença entre os que professam abertamente a fé ortodoxa e os que a negam, tal diferença não favorece os primeiros. hoje, como antigamente, a aceitação e a confissão declaradas da fé ortodoxa se encontram, na maior parte, em pessoas estúpidas, cruéis, imorais, que se julgam muito importantes. já a inteligência, a honestidade, a retidão, a generosidade e a moral se encontram, na maior parte, em pessoas que se declaram sem fé.

03. assim, hoje, como em tempos passados, a doutrina religiosa, adotada por confiança e sustentada por pressão externa, aos poucos se derrete sob a influência do conhecimento e das experiências da vida, contrárias à doutrina religiosa, e é muito comum que um homem viva bastante tempo imaginando que traz plenamente dentro de si a doutrina religiosa da fé que lhe foi transmitida na infância, quando já faz muito tempo que dela não resta nenhum vestígio.

04. aqueles que fazem do próprio objeto da fé um meio para alcançar quaisquer objetivos efêmeros, essas pessoas são os descrentes mais radicais, pois se, para elas, a fé é um meio para alcançar quaisquer objetivos mundanos, seguramente isso já não é fé.

05. com toda a alma, eu desejava ser bom; mas era moço, tinha paixões e estava sozinho, absolutamente sozinho, quando procurava o bem. toda vez que tentava exprimir em que consistiam meus desejos mais sinceros, ou seja, ser moralmente bom, encontrava desprezo e zombaria; porém, assim que me rendia a paixões sórdidas, me elogiavam e incentivavam. a ambição, o desejo de poder, a cobiça, o orgulho, a ira, a vingança, tudo isso era respeitado.

06. não reneguei o título que aquelas pessoas me conferiram, o título de artista, poeta, professor. ingênuo, imaginava que eu era poeta, artista, e podia ensinar todo mundo, sem que eu mesmo soubesse o que ensinava.

07. todos nós, sem ouvir uns aos outros, não parávamos de falar, às vezes fazíamos a vontade uns dos outros e elogiávamos uns aos outros, para que depois também fizessem minha vontade e me elogiassem, mas outras vezes irritávamos uns aos outros e berrávamos uns com os outros, exatamente como num hospício.

08. hoje, está claro para mim que aquilo não era nada diferente de um hospício; mas, na época, eu apenas desconfiava e, como qualquer louco, apenas chamava todos os outros de loucos, menos a mim mesmo.

09. ficou claro para mim que era impossível ensinar sem saber o que ensinar, porque eu via que todos ensinavam coisas diferentes e, por meio das discussões que travavam, apenas escondiam de si mesmos sua ignorância.

10. minha vida parou. eu podia respirar, comer, beber, dormir, porque não podia ficar sem respirar, sem comer, sem beber, sem dormir; mas não existia vida, porque não existiam desejos cuja satisfação eu considerasse razoável.

11. eu mesmo não sabia o que queria: tinha medo da vida, desejava me livrar dela e, no entanto, ainda esperava dela alguma coisa.

12. ficou claro, para mim, que a arte é um ornamento da vida, é uma isca que nos atrai para ela.

13. a ausência de sentido na vida - é o único saber indubitável que o homem pode alcançar.

14. quanto menos eles se aplicavam às questões da vida, mais exatos e mais claros eram; quanto mais tentavam dar soluções às questões da vida, menos claros e menos atraentes se tornavam. se nos voltamos para o ramo dos saberes que tentam dar solução às questões da vida - a fisiologia, a psicologia, a biologia, a sociologia -, encontramos aí uma chocante pobreza de pensamento, uma suprema falta de clareza, uma pretensão em nada justificada para dar soluções a questões fora de sua competência, além de incessantes contradições entre um pensador e os outros, e até entre um pensador e si mesmo.

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⏰ Última atualização: May 02, 2021 ⏰

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