a arte de escrever - arthur schopenhauer

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01. todas as traduções são necessariamente imperfeitas, pois as expressões características, marcantes e significativas de uma língua não podem ser transpostas para outra. por trás dessa crítica aos tradutores está a noção de que cada língua possui palavras específicas que expressam determinados conceitos com muito mais precisão do que todas as outras línguas. assim, ao aprender uma língua, estaríamos ampliando e refinando nosso acervo de conceitos, da mesma maneira que, ao traduzi-la, muitas vezes substituiriamos as palavras exatas que expressam certo conceito por palavras apenas correspondentes, mas imprecisas.

02. ele identifica como um dos principais problemas estilísticos de sua época a falta de clareza, a profundidade e os neologismos, que seriam indícios de uma tentativa de dar aparência erudita e profunda a textos sem conteúdo.

03. deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço da leitura. é preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela.

04. os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la. e os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes.

05. a cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado.

06. em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, no entanto é essa maneira de pensar que caracteriza uma cabeça filosófica.

07. ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto! sinto a necessidade de me perguntar se o homem tinha tanta falta de pensamentos próprios que era preciso um afluxo contínuo de pensamentos alheios, como é preciso dar a quem sofre de tuberculose um caldo para manter sua vida.

08. assim como as atividades de ler e aprender, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los. com isso, quando expõe alguma ideia, a pessoa precisa preencher com palavras e frases as lacunas de clareza em seu conhecimento.

09. é isso (a falta de clareza e profundidade), e não a aridez do assunto, que torna a maioria dos livros tão incrivelmente entediante. pois, como podemos supor, um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma velha sola de sapato; da mesma maneira, um bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido.

10. os eruditos, em sua maioria, estudam exclusivamente com o objetivo de um dia poderem ensinar escrever. assim, sua cabeça é semelhante a um estômago e a um intestino dos quais a comida sai sem ser digerida. justamente por isso, seu ensino é seus escritos têm pouca utilidade. não é possível alimentar os outros com restos não digeridos, mas só com o leite que se formou a partir do próprio sangue.

11. a peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro. trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios.

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