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O som de um restaurante três estrelas funcionando no auge da noite, depois de meses fechado, é como um sopro de oxigênio nos pulmões cansados de Lee Felix.

No segundo em que pisa no salão, os braços pesados com duas bandejas de bebidas, consegue sentir.

O som de conversas sussurradas, o tilintar de talheres contra a porcelana e garrafas de vinhos caros tocando levemente na boca de taças de cristal, o cheiro de Chanel misturando-se com molho de trufas. Tudo isso se junta bem no fundinho do seu peito em uma mistura de pura felicidade.

No momento ele ainda trabalha como garçom - e não é um trabalho ruim, o salário é ótimo e a experiência enriquecedora – mas um dia tem certeza que vai estar do lado de dentro, cozinhando ao lado dos melhores.

Quem sabe até com uma ou duas estrelas a mais do que agora.

Ele se curva para duas mulheres, com vestidos até os tornozelos e joias reluzentes, e entrega seus pedidos com um sorriso escondido pela máscara escura que combina com seu uniforme social. É uma resposta automática, sorrir. E, pelo olhar delas, supõe que estejam sorrindo também, mesmo que não consiga ver.

Felix sempre se deu melhor com as clientes femininas. Elas gostam da delicadeza dele, da sutileza, da educação. Ele entende bem da culinária, sabe recomendar o prato perfeito pra ocasião e um bom vinho pra acompanhar. E ele entende bem de quando elas precisam de um shot de vodca extra em seu drink ou o dobro de cobertura na sobremesa.

Sim, Felix entende bem as mulheres.

Homens são outra história. Eles são rudes e soberbos, agem como donos da razão e se sentem superiores a todos os funcionários ali, mesmo todo mundo sabendo que seus ternos são alugados e suas acompanhantes não são oficializadas. As esposas reservam restaurantes cinco estrelas, as amantes se contentam só com três.

Felix não gosta muito de homens no geral, talvez eles só o lembrem muito de seu pai.

O pai que dizia que cozinhar era coisa de garota, ou que ele nunca seria alguém na vida independente do quanto se esforçasse. Que um homem de verdade precisa sustentar a família com um trabalho digno e não brincar de casinha por aí. Sua mãe até tentava acalmá-lo, dizendo que com o tempo esse sonho de criança desapareceria, mas não desapareceu.

Não desapareceu quando ele entrou no time de futebol do colégio, não desapareceu quando começou um trabalho de meio período de mecânico e não desapareceu quando participava de grupos de estudo com os outros garotos do clube de Ciências. Na verdade, a única coisa que todas essas tentativas de procurar uma nova vocação realmente fizeram foram plantar uma dúvida sexual gigantesca no fundinho da mente do garoto.

E, no terceiro ano do Ensino Médio, ele percebeu que dúvidas não faziam você beijar o melhor amigo bêbado em festas ou marcar encontros em lanchonetes de outra cidade só pra, sabe, testar uma coisa ou outra.

Quem diria que cozinhar era a "coisa de garota" errada para seu pai se preocupar?

Mas, pelo menos, o emprego de mecânico pagava bem. Ele juntou o suficiente para sair de casa – sua mãe ajudou, do jeitinho dela, fingindo não ver o troco das compras do mercado sumindo ou como ele voltava tarde mesmo nos dias que não tinha serviço - mas não era o suficiente. Morar no mesmo país, pelo amor de Deus, morar no mesmo continente que seu pai o fazia sufocar.

Talvez essa tenha sido a razão dele viajar tantos quilômetros assim, no auge dos seus dezoito anos, pra um lugar completamente novo que mal conhecia a língua e muito menos tinha expectativas de como viver. Mas era seu sonho. Felix sacrificaria qualquer coisa na sua vidinha atual para chegar lá. Qualquer coisa.

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