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Felix o observa.

A geladeira, a prateleira de macarrão instantâneo, os salgadinhos apimentados, a geladeira mais uma vez. O olhar demorado nos maços de cigarro expostos atrás do balcão, a indecisão, como ele sempre enruga o espacinho entre as sobrancelhas quando não consegue decidir entre dois sabores de sorvete. E como ele sempre acaba comprando os dois.

Não que ele o observe o tempo todo, como se esperasse toda noite que ele aparecesse, com uma expectativa meio sufocante porque o garoto poderia sumir por semanas, mas também poderia dar uma passadinha na loja de conveniência por cinco dias seguidos.

Não que ele o observe o tempo todo e anseia que esse seja um dos dias em que ele se lembrou que acabou o sabão em pó, mesmo sendo duas da manhã, é só que ele... Se entretêm.

Poucas coisas são interessantes o suficiente para tirarem sua atenção dos livros pesados que leva ao trabalho toda noite, então quando qualquer coisa acontece, é obrigatório que ele dedique alguns minutinhos do seu tempo para absorvê-la.

Portanto, no momento, ele gosta de absorver um pouquinho da inconsistência do seu cliente noturno.

Seus olhos se cruzam por um milésimo de segundo – justo quando Chan levantava o rosto da prateleira de chocolates – e o mais novo tenta ignorar o arrepio na nuca quando percebe que, mesmo sendo pego, o outro não faz questão de desviar o olhar.

É uma sensação muito esquisita ser encarado assim, sem que sequer tentassem fingir que não.

Ele pigarreia, apoia o rosto em uma das mãos e volta a ler o parágrafo sobre alguma fórmula física na sua frente, mas só depois de cinco minutos percebe estar relendo a mesma linha pela quinta vez, o que arranca um suspiro quase alto demais dos seus pulmões.

Para seu infortúnio - e, Deus, hoje Felix estava cheio deles – Chan se aproximava do balcão no exato segundo que ele expressava sua frustração, atraindo uma curiosidade que ele não queria.

- Noite difícil?

- É, um pouco.

Sua voz sai só um fiapinho, porque de repente se lembrou que a rotina do cliente esquisito não vai fazê-lo passar em nenhuma faculdade, então tudo o que ele tem agora são seus cadernos e um pouquinho de esperança que as coisas voltem ao normal antes de prestar sua prova.

Mas até que não é tão difícil assim.

As linhas coloridas com seu marca-texto começam a fazer algum sentido, seus pensamentos se organizam e ele até mesmo começa a formar uma boa linha de raciocínio conforme faz mais algumas anotações no caderno ao seu lado. Talvez ainda houvesse uma chance, no final das contas.

E então a sombra de Chan, levemente encurvado sobre o balcão para dar uma espiadinha em seu caderno, cobre algumas das palavras e ele se lembra que ainda estava trabalhando.

A realidade faz seu rosto corar.

- Meu Deus, me desculpa! - pede, curvando-se levemente e empurrando o material para o lado conforme digita no computador – Eu sinto muito, muito mesmo. Não percebi que você já estava aqui. Quer dizer, eu percebi, mas acabei me empolgando com a matéria e esqueci de te atender. Não que eu tenha esquecido de você, é só que eu fiquei tão imerso que nem me dei conta de quanto tempo já tinha passado e eu... Bem... Sinto muito!

- Ei, relaxa – o Bang retruca, quase aliviado pela máscara esconder o sorrisinho que coça na lateral de seus lábios - Você parecia tão empolgado, deu até vontade de estudar também.

- Ah, não, esse conteúdo é horrível.

- Jura? - o moreno se estica sobre o balcão, arrancando o caderno de si - Você pareceu se dar bem.

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