a alegria de ensinar - rubem alves

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01. ensinar é um exercício de imortalidade. de alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. o professor, assim, não morre jamais.

02. o sofrimento de se ser um professor é semelhante ao sofrimento das dores de parto: a mãe o aceita e logo dele se esquece, pela alegria de dar à luz um filho.

03. a alegria que se tem diante da coisa triste que é ver os preciosos dias passando... a alegria está no jardim que se planta, na criança que se ensina, no livrinho que se escreve.

04. a felicidade começa na solidão: uma taça que se deixa encher com a alegria que transborda do sol. mas vem o tempo quando a taça se enche. ela não mais pode conter aquilo que recebe. deseja transbordar. acontece assim com a abelha que não mais consegue segurar em si o mel que ajuntou; acontece com o seio, turgido de leite, que precisa da boca da criança que o esvazie. a felicidade solitária é dolorosa.

05. basta contemplar os olhos amedrontados das crianças e os seus rostos cheios de ansiedade para compreender que a escola lhes traz sofrimento. o meu palpite é que, se fizer uma pesquisa entre adolescentes sobre as alegrias e suas experiências na escola, eles terão muito que falar sobre a amizade e o companheirismo entre eles, mas pouquíssimas serão as referências à alegria de estudar, compreender e aprender.

06. declarou que estudou a vida inteira, menos nos anos em que esteve na escola. era, de fato, difícil amar as disciplinas representadas por rostos e vozes que não queriam ser amados.

07. romain rolland conta a experiência de um aluno: "...afinal de contas, não entender nada já é um hábito. três quartas partes do que se diz e do que me fazem escrever na escola: a gramática, ciências, a moral e mais um terço das palavras que leio, que me ditam, que eu mesmo emprego - eu não sei o que elas querem dizer. já observei que em minhas redações as que eu menos compreendo são as que levam mais chances de ser classificadas em primeiro lugar."

08. a maioria dos estudantes nos colégios e universidades não desejam estar lá. estão lá porque são obrigados. os métodos clássicos de tortura escolar como a palmatória e a vara já foram abolidos. mas poderá haver sofrimento maior para uma criança ou um adolescente que ser forçado a mover-se numa floresta de informações que ele não consegue compreender, e que nenhuma relação parecem ter com sua vida?

09. a educação, fascinada pelo conhecimento do mundo, esqueceu-se de que sua vocação é despertar o potencial único que jaz adormecido em cada estudante. daí o paradoxo com que sempre nos defrontamos: quanto maior o conhecimento, menor a sabedoria.

10. t. s. elliot: onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?

11. vai aqui este pedido aos professores, pedido de alguém que sofre ao ver o rosto aflito das crianças, dos adolescentes: lembrem-se de que vocês são pastores da alegria, e que a sua responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes faz um pedido: "por favor, me ajude a ser feliz..."

12. era uma daquelas tirinhas do charlie brown. ele está explicando ao seu amiguinho a importância das escolas. "sabe por que temos que tirar boas notas na escola para passarmos do primário para o ginásio. se tirarmos boas notas no ginásio, passamos para o colégio e se no colégio tirarmos boas notas, passamos para a universidade, e se, nesta tirarmos boas notas, conseguimos um bom emprego e podemos casar e ter filhos para mandá-los à escola, onde eles vão estudar um monte de coisas para tirar boas notas e..."

13. os que tirarem boas notas entrarão na universidade. nada mais. dentro de pouco tempo quase tudo aquilo que lhes foi aparentemente ensinado terá sido esquecido. não por burrice. mas por inteligência. o corpo não suporta carregar o peso de um conhecimento morto que ele não consegue integrar com a vida.

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