Até que avistou.

Havia uma área mais exposta da planície destruída que lembrava a clareira de uma floresta, os corpos mais próximos tendo formado uma espécie de círculo de alguns metros de diâmetro em torno do local – revelando que em vida aqueles soldados haviam aberto espaço para que os líderes dos dois exércitos ali se enfrentassem sem a interferência de seus comandados. Bedivere viu primeiro Mordred, o vil Usurpador, estatelado junto ao solo, braços cobrindo o peito que provavelmente havia sido ferido mortalmente por Arthur. Sua pele estava pálida e os cabelos loiros encaracolados, agora expostos após o elmo ter caído, haviam perdido todo o brilho ao tocarem a terra suja. O Rei de Camelot, por sua vez, encontrava-se bem próximo ao inimigo derrotado... também estirado no chão e com sangue a lhe escorrer pela armadura, embora o leve movimento de seu peito gerado pela respiração revelasse que ainda vivia.

Bedivere apressou-se, esperançoso de que o ferimento não fosse grave. A verdade era que, mesmo após a hedionda Morgana ter roubado a bainha mágica que curava instantaneamente as feridas de seu senhor, este se mostrara forte e resistente quanto aos danos recebidos em batalha. Naquele caso não seria diferente, e o dragão da Bretanha mais uma vez tornaria a se erguer... Mas, conforme se aproximou e se abaixou junto a seu amado rei, Bedivere percebeu que naquela ocasião a fortuna se revelava amarga.

Arthur tinha o peitoral da armadura em pedaços, a cota de malha que vestia por baixo falhando em esconder a gravidade da ferida que tinha no peito: um grande corte diagonal que parecia bem profundo. Bedivere estremeceu, abaixando a cabeça enquanto apoiava os braços na própria espada. A lágrima mais salgada de sua vida rolou por seu rosto quando concluiu que o rei estava morrendo.

– Sir Bedivere...

A voz enfraquecida, porém sempre majestosa, de Arthur, o estava chamando. O cavaleiro enxugou a face com as costas da mão revestida de ferro e fitou seu soberano. Sabia que aquela poderia ser a última vez em que contemplaria o semblante de cabelos e barba loiros do rei, figura que tanto aprendera a admirar. O moribundo observava-o com um olhar firme, as pupilas azuis quase fazendo Bedivere congelar, enquanto pedia:

– Pegue Excalibur... Leve-a de volta... ao lago. Esse foi o acordo. Assim deve ser feito.

O soldado tornou a estremecer. Excalibur, a espada mágica do Rei Arthur – arma sublime que tanta inveja causara entre seus inimigos, incluindo Morgana e sua mais terrível cria, o Usurpador. Nem mesmo os próprios cavaleiros da Távola Redonda sabiam com certeza qual era a origem de tal dádiva, embora alguns especulassem – talvez por intriga – ter sido dada a Arthur – com intermédio do sábio mago Merlin, então desaparecido – pela entidade das águas a quem os celtas chamavam "Nimueh", a Dama do Lago. Agora, em seus últimos momentos, Arthur confirmava a veracidade da história justamente a Bedivere, pedindo inclusive que ele devolvesse a espada à sua verdadeira dona.

– Meu rei, eu não sei se... – começou a responder o inseguro cavaleiro.

– Você deve – e Arthur, mesmo estando em suas últimas forças, frisou bem a palavra. – Pegue Excalibur. Tome um cavalo e siga até o lago que eu indicar... Ela precisa ser devolvida.

Tentando esticar um dos braços, gesto do qual logo desistiu devido a uma pontada de dor, o rei apontou para a arma, caída perto de si. Ao contrário do que muitos pensavam, Excalibur não era uma espada luxuosa ou rica – ao menos não dentro do conceito de "riqueza" que a maioria dos homens tinha, principalmente naqueles tempos de dificuldade. A lâmina de puro aço, que devido à magia antiga jamais perdia o corte, brilhava mesmo sob o céu nublado... mas, se não fosse por sua propriedade mística, nada mais seria senão aço. A guarda era simples, de metal singelo e sem qualquer tipo de adorno ou figura esculpida, compondo apenas base firme para ser brandida; o cabo também austero terminando num pequeno rubi de escuro tom vermelho – a única pedra preciosa presente na arma, remetendo ao imponente dragão dos Pendragon: linhagem de Arthur, herdada de seu pai Uther.

O Legado de Avalon: O Garoto, O Velho e A Espada - DEGUSTAÇÃOHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin