Capítulo Único

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"I know you're not a ghost
Just down the street"
— All I've Ever Known, Bahamas 


O calor era insuportável e a tintura coral daquelas paredes suadas e descascadas davam a sensação de estar ainda mais quente. Observei a janela sem as cortinas blackout que eu tanto desejava para conseguir dormir um pouco mais aos finais de semana, a cama de casal velha e resistente na ponta do quarto, a arara de roupas enferrujada e bagunçada e a escrivaninha branca, abarrotada de livros e papéis, que eu havia acabado de chutar. Respirei fundo, encarei o chão de madeira escura e muito arranhada, o pequeno frigobar de segunda mão que suportava o peso de uma cafeteira e a porta entreaberta que dava para o inferno sem ventilação chamado banheiro. Tudo estava milimetricamente insuportável naquele dia. Eu odiava aquele lugar.

Olhava para o celular a cada minuto ficando mais irritada com aquela demora. Não é como se Jeon Jeongguk fosse pontual, mas particularmente naquele dia ele havia ultrapassado todas as barreiras daquele defeito irritante. Ele era exatamente isto: irritante. Passei a mão pela testa para limpar o suor e respirei fundo. Eu queria esganá-lo. Ouvi o barulho inconfundível de motor soar no começo da rua e entendi que era ele. Peguei minha bota marrom-mostarda de camurça, que era tão parecida com a dele, com exceção do salto grosso, e esperei até que sua materialização finalmente entrasse para arremessá-la contra todo o seu tamanho. Aquelas botas eram as nossas favoritas. Minutos passaram e ele destrancou a porta com a cópia da chave que havia feito para si. No momento em que cruzou, atirei a bota contra a parede para assustá-lo. Eu não pretendia acertá-lo, não era aquele tipo de pessoa.

— Mas que porra... – Seus olhos galácticos arregalaram-se e em reflexo levou uma das mãos até a boca, encolhendo um pouco o corpo alto e definido. Olhava-me com raiva, mas negou-se a avançar um passo.

— Que merda é aquela, Jeongguk? — Atirei o outro pé das botas na escrivaninha, derrubando livros, cadernos e canetas coloridas no chão. Ele olhou para o local buscando a cena do crime e retomou a pose que sempre tinha, encarando-me com um misto de confusão e perdão. — Você, por acaso, está achando que eu transo contigo em troca de auxílio financeiro? Eu não sei se você acha, mas para te ajudar a pensar um pouco é o que toda essa maldita república e, provavelmente, a faculdade inteira acham.

Sua expressão tornou-se nebulosa e ele mordeu o lábio inferior em sinal de puro nervosismo, deixando sua pinta abaixo daquela região ainda mais visível. Eu estava em um estágio de raiva que poderia ser considerado deplorável e precisava descontar nele a todo custo, também não queria conter meu defeito e me permiti explodir. Jeon havia intensificado todo o meu estresse depois daquele fim exaustivo de expediente. Quando eu percebi o recibo de pagamento de aluguel abaixo da caneca velha que usava como porta-lápis eu surtei. Quem ele pensava que era? Ou melhor, quem ele pensava que eu era?

— Não é nada disso que...

— É o que? Meu Deus, por que você está fazendo isso? Eu nunca pedi nada a você, Jeongguk! Nunca! Você, sei lá, poderia pelo menos ter me consultado antes.

— Você não iria aceitar.

— É lógico que eu não iria aceitar! — Gritei e minha voz saiu trêmula. — Eu não aceitaria por uma infinidade de motivos. Você simplesmente passou por cima de tudo e fez isso sem ao menos me dizer. — Meus olhos arderam. Senti as lágrimas forçando para serem logo libertas e encarei seu rosto cabisbaixo com os olhos trêmulos e brilhantes.

— Eu só acho que você não precisa passar por isso sozinha. Sabe, se alguém quer e pode te oferecer ajuda neste momento, por que não aceita? Ainda mais sendo alguém que gosta de você e se importa com seu bem estar. Nunca foi sobre sexo. — Engoli o nó formado na garganta e observei ele se sentir mais seguro para se aproximar. Calei-me para que ele pudesse prosseguir sem interrupções: — Sempre foi sobre você. Eu sei que tudo começou com sexo, mas você consegue lembrar quando deixou de ser só isso?

Incandescência | Jeon JeonggukOnde histórias criam vida. Descubra agora