A SEMENTE DO DESTINO

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Cedra tateou a bolsa de couro, apenas para sentir que a semente ainda estava segura, depois passou a mão sobre a lança de pedra lascada presa nas costas, buscando segurança. Enquanto isso, mantinha o olhar fixo no templo, que pouco a pouco se aproximava.

– O que o Rei da Floresta te disse? – Tamoki lembrou-se que devido à urgência para deixar o templo em ruínas sob o fogo e as cinzas do caos, pouco se importou em questionar o que Cedra sabia.

– Antes de morrer, meu pai... disse para eu levar a semente para Arabutã.

– Só isso?

– Sim, ele estava morrendo! – ela o encarou para tirar suas cutucadas de desconfiança das costas.

Tamoki sentiu-se constrangido, virou para olhar o rio novamente e nada mais falou. Enquanto isso, Cedra pensava nas outras palavras ditas pelo pai, o Rei da Floresta, pouco antes de seu fim, que ela julgou melhor Tamoki não saber.

A jangada foi levada até dentro das raízes que emergiam das águas, eram tão grandes que pareciam as colunas do templo dos antigos Gorjalas do Norte, criaturas maiores que as montanhas que foram extintas quando Arabutã nasceu. Os dois admiravam com seus olhos a grandiosidade da primeira árvore da floresta, aquela que deu a vida a todos os seres, que abriu as fendas por onde correm as águas, a mãe de todas as criaturas e de onde sua semente, agora pertencente a Cedra, tornou seu pai o primeiro Filho das Árvores, o rei de todo o reino da floresta.

Quando as sombras tomaram tudo à sua volta, eles boiaram no escuro sem nada enxergar. Cedra pegou de seu cinto uma pedra lascada com essência de vaga-lume branco, esfregou, e o calor a acendeu dando-lhes um pouco de luz para enxergarem pelo menos um ao outro e ter um vislumbre dos desenhos antigos talhados na madeira que compunham o enorme corredor cilíndrico por onde passavam. Enquanto se perdiam pelas imagens que contavam a origem do mundo, as primeiras criaturas que nasceram dali e como o primeiro rei ganhou sua imortalidade, ambos se assustaram quando a jangada atracou em um chão de rochas retangulares, a entrada do templo.

Desceram cautelosamente e caminharam para dentro da escuridão, onde pedras e raízes se misturavam para gerar uma arquitetura antiga, não mais usada e impossível de ser concretizada pelas ferramentas modernas.

– Bem-vindos ao Amanhã – uma voz cavernosa e serena ecoou pelo escuro, recebendo-os.

Eles cessaram seus avanços. Um círculo luminoso surgiu no meio do breu, era uma lâmina d'água esmeralda que forneceu pequenas tiras de luz pelo vão dos desenhos esculpidos nas pedras, iluminando todo o salão com uma luz baixa, mas capaz de permitir aos visitantes enxergar com clareza tudo a sua volta.

O enorme espaço oval tinha um cheiro forte de mato molhado, um ar frio que entrava pela boca e pelo nariz, mas não agredia a pele. Apesar da aparência lembrar um túmulo, foi dali que tudo nasceu e podia ser considerado o primeiro berço das criaturas vivas. Atrás do pequeno poço, onde a luz esmeralda surgira, estava uma enorme rocha que se fundia com as raízes, como se sempre estivesse ali. De dentro de uma rachadura que parecia um túnel de tatu, a Anciã esticou sua cabeça rugosa para fora, esboçando um leve sorriso com seu bico e apertando as escamas que mantinham os olhos fechados.  Aquele ser, do qual Cedra e Tamoki ouviram tantas histórias, a ponto de sentirem como se já a conhecessem, estava a sua frente. Apesar da emoção mista de ver uma lenda diante dos olhos, eles pareciam ansiosos para falar. Ela, a anciã,  sem nenhuma pressa em seus movimentos, os olhou durante um longo minuto e os cumprimentou:

– Cedra, Guardiã das Árvores, filha do Rei da Floresta. Tamoki, príncipe das Aves Reais e o guerreiro rápido como o relâmpago. Sejam bem-vindos ao Amanhã.

Ao ver a primeira criatura do mundo, ambos imediatamente ajoelharam-se em reverência.

– Tolinhos, não cabe toda essa formalidade, levantem-se crianças – disse ela de forma simpática.

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