Capítulo 01

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Fernando

— Você tem certeza de que não quer ir comigo para São Paulo?

Maya se espreguiça na cama, o lençol mal cobre o seu corpo nu, deixando à vista os seios que tanto me fascinam desde que nos conhecemos, há mais de quatro anos.

— Já falei que não, Nando. — Ela se vira, jogando a pernas sobre as minhas, abraçando o meu torso, seus longos cabelos negros espalhados pela cama.

Acabamos de ter mais uma sessão de sexo fantástica. Maya é a melhor parceira que já tive na vida, sem dúvidas. Eu não era inexperiente quando ficamos pela primeira, mas ela com certeza me ensinou algumas coisas muito úteis. É o tipo de mulher que sabe o que quer, o que lhe dá prazer, e não tem nem um pouco de vergonha de pedir o que deseja.

— Você poderia morar comigo. O apartamento que meu pai deixou é grande. Nem precisamos dividir o quarto se você não quiser.

— Fernando... — ela diz o meu nome em um longo suspiro. Já tivemos essa conversa antes, mas é a minha última noite aqui, tenho que ter certeza de que fiz tudo o que podia para mantê-la ao meu lado.

Gosto muito da Maya. Acredito que seria capaz de amá-la um dia, se ela me desse essa oportunidade. O problema é que a Má tem um namorado, e não está disposta a abrir mão dele. Não, ela não o está traindo comigo. Eles vivem um relacionamento aberto, coisa que não entra na minha cabeça. Se eu tivesse a mulher que amo comigo, jamais aceitaria dividi-la com outros. Mas eles parecem felizes assim e eu pude aproveitar a companhia dela pelos anos em que vivemos a nossa amizade colorida, então não posso realmente reclamar.

Mas gostaria que as coisas fossem diferentes. Acredito que nós somos compatíveis em vários aspectos de nossas existências, e formaríamos um casal incrível, se ela me aceitasse como o único homem em sua vida.

— Você teria mais oportunidades de trabalho lá — continuo o discurso, na esperança de convencê-la, mesmo com a noção de que ela não pretende mudar de ideia. — Vou trabalhar na clínica da minha tia, tenho certeza de que conseguiria uma colocação para você lá. Ou em outro lugar, se preferir. Ela tem muitos contatos, aposto que não se importaria em nos ajudar.

— Essa era para ser a nossa despedida épica — ela resmunga, fazendo um biquinho lindo. — Você está estragando tudo.

— Ainda pode ser épico, mas eu precisava tentar. — Passeio a mão pelas suas costas, em uma carícia suave.

— Você sabe que não posso largar o Ricardo. Eu o conheço desde criança, as nossas família são amigas e, mesmo que nunca aconteça, nossos pais têm esperança de que vamos nos casar um dia. Ele tem os mesmo objetivos que eu, a gente combina. E, do nosso jeito meio torto, a gente se ama.

— Se ele te amasse de verdade, não teria aceitado essa história de relacionamento aberto.

— Fui eu quem propus isso, você sabe como funciona desde a primeira vez que ficamos. E prometeu que nunca iria me julgar.

— Eu não julgo, me desculpe. — Dou um beijo carinhoso em sua testa. Mesmo não concordando, prometi que nunca me meteria entre os dois. É a principal condição para manter a nossa amizade.

— Como sempre, está desculpado. — Ela abre um lindo sorriso antes de alcançar minha boca e me dar um beijo demorado.

— Vou sentir a sua falta. — Salpico selinhos pelo seu rosto, desejando que essa noite fosse um pouco mais longa.

— Não vai. Logo você vai conhecer outras mulheres por lá. Vai até esquecer que eu existo.

— Você sabe que isso não é verdade. — Seguro seu queixo, obrigando-a me encarar. — O que eu sinto por você é verdadeiro.

— É justamente por isso que a gente nunca daria certo. Você é meloso demais para o meu gosto. — Ela ri, e acabo rindo junto. A sinceridade de Maya é uma das coisas que me atraiu nela. Uma garota sem papas na língua. — Sabe que a nossa amizade é linda, mas nunca conseguiríamos ir além disso. Você é gostoso, faz o melhor cafuné do mundo, mas sonha em ter uma família. Isso de ter filhos e comercial de margarina nunca esteve nos meus planos.

— Eu sei. Já me conformei com o fato de que terei que viver sozinho naquele apartamento.

— Logo você arruma alguém para te fazer companhia. — Ela faz pouco caso da minha reclamação. — E não vai estar sozinho, vai ter a Gertrudes com você.

Como se pudesse ouvir o seu nome, a gata começa a arranhar a porta, pedindo para entrar.

— Viu!? Ela nunca vai te deixar sozinho. — Maya gargalha. Minha gata Gerta não é a sua maior fã, então sempre que Má vem na minha casa, preciso trancar a bichana para fora do quarto. Isso só faz com que ela fique ainda mais irritada pela manhã, já que está acostumada a dormir na cama comigo. — Ou te deixar em paz, pelo que consta.

— Ela é mesmo geniosa. Essa história de que os bichos se parecem com os donos nem sempre é verdade.

Gertrudes é uma gatinha rajada, um tanto arisca, que conheci ao fazer o meu estágio no abrigo de animais da cidade. Ela havia sido resgatada de um terreno baldio, depois de quase morrer ao ser atacada por um cachorro. Não deixava ninguém se aproximar e fui o único capaz de chegar perto o bastante para cuidar de seus ferimentos. Conseguimos salvá-la, mas ela perdeu uma parte da orelha, o que a fez ficar com uma expressão ainda mais raivosa, o que, definitivamente combina com a sua personalidade. Sou o único que ela "tolera", porque às vezes ainda tenho dúvida se gosta mesmo de mim ou se a nossa convivência é pura conveniência para ela.

— E sempre que vier visitar a sua mãe, podemos nos encontrar e matar a saudade.

— Talvez — respondo, sem querer me comprometer.

Essa mudança para São Paulo é uma grande guinada na minha vida. Depois de seis anos, saí da faculdade com a graduação e o mestrado, e chegou o momento de crescer e encarar as responsabilidades. Até porque tenho 25 anos, já passou da hora. Estou prestes a assumir o lugar que era do meu pai na clínica veterinária onde tinha sociedade com sua cunhada, vou voltar a viver no apartamento onde a minha família foi feliz há mais de dez anos atrás, e pretendo escrever uma nova história para mim. Estou disposto a começar uma vida nova em São Paulo e, se Maya não quer fazer parte dela, estou decidido a deixá-la no passado. É triste, mas preciso aprender a direcionar o meu afeto a relacionamentos que possam chegar a algum lugar. Ou ao menos é isso o que a minha terapeuta diz cada vez que conversamos sobre a Má. Droga, também vou sentir falta da minha terapeuta. Eu me apego fácil demais; outra coisa que preciso aprender é a ser mais desprendido.

— Nando, você ainda está aqui comigo? — Maya se senta em meu colo, trazendo a minha atenção de volta para si.

Podemos não ter um futuro, mas isso não significa que não possamos aproveitar a nossa última noite juntos.

— Estou, gostosa. Sou todo seu até o dia amanhecer.

Ela me beija e já estou pronto para mais uma. A nossa despedida é épica como ela tinha planejado.


*****

Primeiro capítulo liberado, só porque achei que o prólogo era muito pouquinho.

Espero que gostem dessa nova aventura. Até domingo.

Me Deixa Ser Seu - DegustaçãoWhere stories live. Discover now