Fui pra escola no dia seguinte ignorando a sala do Tê, me fingindo mesmo de cega. Eu era ótima em ignorar pessoas e fiquei feliz quando ele não veio atrás de mim. Não tinha nenhuma intenção de ser maldosa nem nada, apenas fiz o que queria fazer. Tê é só meu amigo, mas eu queria beijar alguém por quem eu não fosse sofrer mais tarde, que não tinha olhos azuis e era minha nova fantasia secreta. Você chegou na primeira aula e passei o restante das outras duas até o intervalo só focando na parte detrás da sua cabeça. Meu deus, como você era lindo. Só um ano mais tarde ia passar o rodo em vários corações, mas por enquanto tinha o meu, o das minhas amigas, de qualquer um que entrasse no caminho.

Mas eu só me sentia assim porque não te conhecia. Você não falou um 'a' pra mim durante a primeira semana toda mesmo rebatendo alguns dos meus olhares. Considerei isso um castigo por brincar com o coração da única pessoa que era capaz de me amar de forma reciproca se eu sentisse o mesmo por ele. Até que você me amava, Tom, mas seu amor me sufocava pra caramba.

Tinha tanta coisa pra fazer, tanta coisa pra pensar. Estávamos tendo prova atrás de prova e eu queria entrar pra uma escola técnica perto da minha casa. Faria o teste de treineiro e no ano que vem faria a prova pra valer. É claro que eu considerava o Enem também, mas quando matemática não é mesmo o seu forte no ensino médio você começa a considerar que talvez não consiga uma bolsa full integral pra nada e que seu futuro é muito vago.

Com tudo isso na mente, eu só podia contar com Sara com H para me abordar em assuntos mais leves como o crush que eu tinha num certo garoto aí.

— Ele é muito lindo.

— Ele é mesmo. Qual será o signo dele?

Sara com H me olhou surpresa.

— Você ainda acredita nisso? Achei que tinha comido minha amiga com sentimentos nas férias.

Revirei os olhos, mas porque fiquei nervosa. Sara com H era a rainha das hipérboles quando queria e às vezes isso soava um pouco constrangedor como se você estivesse lidando com alguém dez anos mais nova que você.

— Não, eu não virei ateia ou coisa do tipo. Tô mais pra agnóstica. E eu gosto de signos, você sabe.

— Eu não sei de mais nada. Mas queria saber o signo do Thomas – ela suspirou. — Ele tem cara de quê?

Dei uma vasculhada no pouco que sabia sobre astrologia.

— Escorpião. Viajante, muda de escola a escola, conhece gente legal e nova. Imagina quantas namoradas não deve ter tido.

— Nossa, mas será que ele é bad boy?

Eu achava no fundo, no fundo que você não era ainda mais depois que te vi olhar sério para as bobagens dos meninos. Achei que você não tinha se conectado bem aqui e que era só isso. Era normal meninas demorarem para achar uma amizade quando chegavam aqui. As meninas aqui são ciumentas e inseguras, arrumam briga se você atender demais a um padrão de beleza. Garotos? Não. Eles não encontram nenhum tipo de dificuldade porque todos só precisam de um requisito: ter uma capacidade de conversação.

— Acho que ele é culto.

— Quer dizer nerd?

— É, acho que ele deve gostar de jogar RPG e essas coisas – Comecei a traçar um perfil seu com Sara com H. Menino legal que tinha vários amigos, mudou de escola e perdeu todos eles. Sempre foi bonito, mas nunca de ligar para isso. Ficou magro e alto com o tempo e os pais pegaram no pé para se cuidar bastante. Não que precisasse ser grande coisa quando se já tinha os famigerados olhos azuis. — Meu deus, será que ele não sabe conversar com ninguém? – Lembrei de novo do seu silencioso enquanto os meninos faziam bagunça no fundo da sala.

— Você devia puxar assunto com ele. Nossa Alana, já pensou? Logo com você que gosta tanto de falar. Ia ser romântico demais.

Tentei bastante não ficar ofendida e me concentrei. Culto sim, "nerd" não. Os CDFs (Cadeiras da Frente) sentavam na frente, eram estudiosos que nem garotos de catequese quando estavam em sala, mas você divagava Tom. Te vi rabiscando nas margens do caderno e ir até as ultimas paginas várias vezes. Eu só conseguia pensar em Sara com H com os adesivos de Moranguinho.

Então o que sobrava? Eu só conseguia pensar em mim mesma quando não entendia matemática. Então, desenhos? Você gostava de animes? Queria poder levar o celular para assistir eles, mas seus pais sabiam do seu vicio e eram rígidos? Era ridículo o quanto fiquei absorta nessa questão por minutos enquanto Sara com H desabafava sobre o signo de Câncer ser dramático.

— Quando vocês terminarem nada de correr atrás hein amiga? Mantem o seu orgulho, segue seu caminho. Se você saiu viva do outro lá pode sair desse também.

Ela já pintava o nosso futuro trágico, mas não fiquei pensando nisso. Minha mente foi para Luan, o tipo de garoto que ele era quando ninguém estava por perto, quando éramos só nós dois. Futebol, videogame, brincadeiras de xingar as mães dos amigos pelo Whatsapp, coisa básica. Fui mais a fundo. A verdade é que ele adorava ler que nem eu, mas largou o hábito aos treze anos quando o irmão apareceu com a primeira namorada em casa. Dava para ver pelo modo como o pai sempre sorria pra mim que eu era tópico nas reuniões em família. A namoradinha do Luan. Se eu fizesse tudo certo podíamos nos casar algum dia.

Mas então ele teve que ceder as brincadeiras com os amigos e brincar de desenterrar a ex. Hoje anda pra lá e pra cá como se nunca tivesse feito mal a uma pessoa. E eu finjo que ele morreu pra mim (a verdade é que eu sempre vasculho o pátio pra ver se ele tá por perto). E assim seguimos nossa vida. Achei que um dia eu acabaria implorando pra voltar ou ele me chamaria no meu portão um dia, mas então aí veio você Thomas e mudou tudo. E eu mudei tudo. Nós dois mudamos a minha história e hoje sou muito grata por isso mesmo sabendo que você deve me odiar mais que tudo.

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⏰ Last updated: Jan 18, 2021 ⏰

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