A noite escura e sombria tinha vindo mais cedo, como em todo inverno. Longos campos de terra vermelha, estéreis e frios, se cobriam de poeira levantada pelo vento. Montanhas distantes, algumas vezes, podiam ser vistas ao sul. Mas apenas terra nua se estendia ao norte.
Mais, mais e mais vazio. Nada a perder de vista.
Poderia alguém viver ali?
Talvez não, mas vivia.
Um poço fundo estava cavado no chão. As paredes de pedra ficavam geladas com o pôr-do-sol. Um lugar desconfortável, medonho, do qual muitos manteriam distância, principalmente de seu fundo invisível.
Uma menina fazia do buraco seu lar.
Ela podia ver a luz da lua minguante, refletida nos dois olhos brilhantes de criança que encaravam o céu. O astro sorria com sarcasmo, reforçava sua solidão e seu abandono.
Ou assim ela considerava.
Os pêlos de seu corpo se arrepiavam com o clima noturno, por baixo de uma fina e longa camisola rasgada, cheia de manchas secas.
Sangue.
Mal cabia ali dentro. O espaço era pouco, e a cada movimento, a pele toda parecia ser torcida, puxada por um único ponto. Estava cheia de marcas, nos mais diferentes estados. Cortes, arranhões, hematomas e furos. A maioria ainda recente, outros em cicatrizes brancas, espalhadas por todos os cantos. Mesmo o rosto e o pescoço, sensíveis e vitais, não estavam livres.
A garota abraçava suas pernas, tremendo, mas sem se incomodar.
Tudo aquilo era costume. Não se lembrava de conhecer outra vida.
Embalada pela noite sem sono, a voz rouca e sofrida começou a pronunciar sílabas de uma canção. A melodia profunda soava para o nada, enquanto ela se acolhia melhor no ninho das sombras.
Era dia. A menina olhava para cima, para a saída do buraco, vendo o céu cheio de nuvens escuras. Nenhuma luz, nenhuma direção.
Aguardava pacientemente por algo terrível.
Uma pessoa vinha caminhando do lado de fora. Era uma mulher baixa e magra. Um vento forte batia, indo de oeste para leste e levantando seus cabelos escuros longos para o lado. Ela parecia determinada em seguir. Cobria o corpo com uma comprida e grossa vestimenta verde-escura.
Dentro do poço, a garota escutou os passos que se aproximavam.
Encolheu-se num susto, mas já sabia o que estava por vir.
Os pés externos pararam, fazendo uma longa sombra sobre o poço.
Trêmula, ela esticou mais os olhos para o topo.
Ela tinha vindo.
Não havia como se proteger, nem como escapar. Sempre, sempre aconteceria. Era seu destino.
A primeira.
A pedra dura e fria voou do alto de encontro a sua cabeça. Acertou.
Doeu. Um tiro forte. Já havia um corte na testa, que se abriu outra vez.
Mais uma. Outra, outra, outra, outra, outra. Duas mãos a atacavam sem pena.
A chuva de ataques cessou.
Ferida. Marcada. Em pedaços. Era o suficiente.
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A Quarta Máscara, parte I: Paraíso e Inferno
FantasyO ódio a si. Um coração que sofre. As profundezas da dor e o limite dos céus. Uma história de símbolos, mas absolutamente real.