Gustavo

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[...]

— Gustavo?

— Faltou, Fessora.

— Gustavo tem faltado muito, né?

— Prô, posso falar com você?

— Claro que pode, Vitória

— Mas tem que ser no ouvido...

— Tudo bem...

(sussurro)

— O Gustavo tá faltando porque... Porque...

— Diga, Vitória.

— É porque ele começou a namorar, Prô

— Então, ele tá trocando a aula por um namoro?

— É, Fessora... É por isso...

— E por que precisava falar isso tão secretamente? Eu sei que não é nada bonito, mas não precisava todo esse mistério...

— É porque... Porque...

— Porque o quê, Vitória?! Desse jeito, até parece que ele está cometendo algum crime...

— É que ele é gay, Fessora! E ele não gosta que fiquem falando isso por aí.

— Ah...

— E por isso ele está faltando.

— Pelo namoro, ou por ser gay?

— Os dois, Fessora.

— Como assim?

— Por ser gay ele já tinha medo de vir para a escola e o pessoal descobrir, para ficar tirando sarro dele. Agora que ele está namorando, é que ele não quer vir mesmo.

— Mas não dá para ele ficar faltando... Vai perder o ano se ficar nisso!

— É, mas pelo menos ninguém enche saco dele sobre isso.

— E por que ele não pode vir mais? As pessoas não saberiam do mesmo jeito.

— É que, na verdade, já sabem, Fessora.

— Ah...

— Até onde sei, eles estão armando para zuarem ele na próxima vez que ele vier.

— "Eles" quem, Vitória?

— Ah, Fessora... Todo mundo. Claro, começou no pessoal do fundo daqui da sala, mas aí foi se espalhando, espalhando e pronto! Geral tá sabendo...

— Eu vou fazer alguma coisa sobre!

— Não, Fessora! Deixa quieto...

— Como assim, deixa quieto? Não é assim que funciona. Há de se fazer alguma coisa, ele não precisa se esconder só por conta disso?

— A mãe dele já tá vendo uma matrícula em outra escola.

— E daí? Ele vai precisar se esconder lá também? Eu não posso deixar que ele fique assim... Coitado!

— Mas ele não quer ajuda, Prô...

— Mas ele precisa! Eu não posso ficar de braços cruzados só esperando algo acontecer.

— Eu sei, Fessora... Às vezes, eu também queria ajudar ele, mas eu sinto que eu sou muito fraca para isso...

— Por quê?

— Eu não consigo bater de frente com quem quer tirar sarro dele.

— Mas isso o que você já está fazendo é importante. Fale comigo, com outros professores e até mesmo com pessoas na diretoria. Se você não tiver coragem de falar com eles, fale com quem tem.

— E só?

— Só? Isso já é algo, Vitória. Comparado a muitas outras pessoas, isso já é até muito.

— Mas e ele?

— Respeite-o. Além disso, incentive ele a ter coragem de não ter vergonha de quem ele é, nada muda o quão incrível ele é, ele sempre vai ter o apoio seu e de muitos outros...Deixe sempre claro, que ele não é menor que ninguém por conta disso.

— Será que conseguirei ajudar, Prô?

— Claro que consegue! Se você se importa com ele, você vai conseguir, assim como todos os que respeitam ele.

— Mas e quem não respeitar?

— Cabe a nós reprimi-los. E mais ainda, cabe a nós conscientizá-los.

— Mas o pessoal daqui não liga para esse papo de conscientização, Fessora...

— Bom, é bom que comecem então... Porque ninguém aqui já nasceu perfeito, todos precisamos aprender a ouvir e aprender. Todo mundo tem que aprender a respeitar e conviver com o outro, afinal, vivemos em sociedade.

— São tão idiotas... Do que importa que ele goste de outros meninos? Ninguém vai morrer por conta disso.

— Continue pensando assim, linda, esse é o caminho. Aliás posso te fazer uma pergunta?

— Claro, Fessora, pode.

— Vitória, poderia ter algum maior ato de retrocesso social, do que simplesmente ignorar o próximo? Suas dores, suas conquistas, seus pensamentos, momentos, enfim, a vida do próximo...

— Não, Prô, não tem.

— Então, nós não podemos fazer isso também... E o Gustavo tá incluso nisso.

— Você tem razão, Fessora... Pode deixar que eu vou mudar daqui para a frente!

— Isso aí, mudança!... Agora deixa eu continuar a chamada.

Faltou, Fessora.Where stories live. Discover now