Devir - Multiverso Rabia

A insólita transcendência da Flor de Lótus

Bianca Andrade vive para a ciência. A sua existência se resume a trazer ordem aos fatos, a explicar fenômenos até então impraticáveis. Tudo há um motivo lógico, plausível e racional. A ciência explica – e o cerne do seu mundo está conectado às respostas que as cinco dimensões exercem no mundo:

Dimensão zero: um ponto em específico; dimensão um: conexão entre dois pontos, como uma reta; dimensão dois: o plano, como largura e comprimento; terceira dimensão: o espaço tridimensional; quarta dimensão: o tempo; quinta dimensão: o conjunto das infinitas versões que cada um pode ser.

Infinitas versões de Bianca. Infinitas versões de Rafaella.

E Bianca Andrade, em sua inteligência e capacidade, acessou a sexta dimensão – estando no mesmo espaço-tempo, na mesma exata bolha, que algumas de suas distintas versões. Mesmo surreal, a cientista ainda consegue enxergar o sentido lógico e palpável. Em anos de trabalho na ciência e estudo afinco, ela foi capaz de tornar o impossível, possível.

Mas há uma sensação de que a cientista não seria capaz de explicar. Há momentos na vida que ultrapassam o estado de comprovação lógica. Eles existem para serem sorvidos em sua essência. No ônix do Universo em expansão, em um singular momento, narrativas surreais e inexplicáveis são criadas. Narrativas como esta que Bianca e Rafaella estavam prestes a vivenciar – que desafiam a lógica.

E a coincidência, o destino ou o acaso, levou um artefato peculiar às mãos de Bianca. Algo que, para uma mente da ciência, seria ilógico. Surreal. O destino trouxe à cientista A Flor de Lótus. O pecado em sua essência. O elixir do desejo.

A Flor de Lótus está presente na história do mundo desde outrora. Para os budas, representa a expansão do espírito, da visão e da consciência. Para os egípcios, a cura e a libertação sexual – despertando a libido, a carne e a volúpia. Lótus desperta o real você, seja bom ou ruim. Traz à superfície a clarividência do ser humano cru e visceral, junto de todas as suas camadas: desejos profanos, medos e sonhos. Em cada pétala, há a imersão maior na consciência. Há o mergulho nas sensações. Há a expansão do tato, do paladar, do olfato e da visão. A cada dose, há o ébrio.

Em cada ser, há uma pétala da Flor de Lótus. Na derme, vem a curiosidade. No estômago, está a expansão do sentir. Na fenda, há a vivência crua do prazer. A cada andar na casa interior, uma sensação experienciada. A cada mordida, uma descoberta. A cada frenesi, um regozijo.

Bianca então apenas inspira e encara a Flor de Lótus em suas mãos trêmulas e frias como a noite que a cerca. Um músculo de sua garganta contrai e ela cerra suas pálpebras.

Será que eu devo, Rafa? - Um suspiro sôfrego escapa de seus lábios e ela fita a sua mulher, que a olha com um semblante indecifrável.

- Se tem algo que eu aprendi, nessa viagem louca que você nos levou... - A voz aveludada de Kalimann em uma pitada de divertimento e malícia. - É que eu preciso vivenciar você, Bia. - Ela sorri e beberica um gole de seu Martini, umedecendo os lábios carmesim com a língua de forma presunçosa. - Em todas as suas versões.

E, tão fácil como um alvorecer de verão, a força de um vulcão invade o corpo da cientista. Em um entrave de olhares, ela se delicia do prelúdio de um prazer transcendental que compartilharia em instantes com a sua amada.

Seria ela e Rafaella, nessa e em outras dimensões. Nessa e em outras vidas.

- Reencontros não precisam ser explicados, e sim vivenciados. - Rafaella ronrona rouca e entrega a Flor de Lótus a Bianca. - Mergulhe, meu amor. Permita-se sentir.

Bianca apenas assente. Quando a primeira pétala da Flor de Lótus beija os seus lábios, a cientista recosta-se na cadeira e sente uma corrente elétrica passear desde a boca do estômago, ao centro de sua fenda já umidificada de deleite e volúpia. Permite-se mergulhar em um infinito de sensações que serpenteiam por seu corpo, quando a Flor de Lótus acessa o seu organismo como um felino faminto por uma refeição.