Marcos

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— Bruna?

— Faltou, Fessora!

— Logo ela que é tão estudiosa! Ela amaria a aula de hoje.

— Qual a aula?

— Hoje eu queria fazer uma coisa diferente, discutir com vocês os diferentes preconceitos que existem na sociedade e ela, uma menina tão engajada nessas questões sociais adoraria a aula.

— Nossa, Fessora... Me desculpa, mas aula de Sociologia é mó chato.

— Como assim, Marcos? Não era você que fez o trabalho que eu passei, com o maior empenho? Para ter feito aquele trabalho, alguma coisa tem que ter por trás... Ou você gosta de Sociologia, ou...

— Ou o Enem cobra isso e eu não sei nada. Não dá, Fessora, para estudar nesse país, a gente tem que saber de tudo.

— Olhe aí, Marcos, isso é uma forma de preconceito, não? Uma espécie de preconceito intelectual, que vem desde o ensino básico até o ensino superior.

— Ah, Fessora, mas pelo menos nós temos o básico de graça, né?

— Mas é de qualidade?

— Não, mas é o que tem!

— Olha, Marcos, tem um pensador... Leandro Roque, conhece?

— Não...

— Claro que conhece! É o Emicida!

— Ah, mas aí você veio com uns papo de Leandro de não sei o quê...

— Então, o Emicida fala numa música dele: "Quem pensar pequeninho, tio, vai morrer sem".

— E o que tem a ver?

— Marcos, olhe o que você disse... Não pode ser "o que tem", tem que ser o melhor, tem que ser de qualidade, se não nunca vai ser e aí você e quem vier depois, viverão sem um ensino de qualidade para sempre... Entendeu?

— E quem vai me ouvir, Fessora?

— Não sei, mas se você nunca falar, nunca vai saber... É igual quando você pensar naquela pessoa que você gosta... Como vocês chama hoje em dia?... Crush, né?

— Isso mesmo...

— Se você nunca falar que gosta, nunca vai saber se ela ou ele também quer. Então, tem que falar, Marcos. Mas pode ter certeza, o mundo tá mudando e existirão ouvidos que querem ouvir a tua voz, os teus pensamentos...

— Valeu, Fessora. Essa paranoia de vestibular tá me consumindo.

— Vai dar tudo certo, eu acredito em você, Marcos.

— Mas e se não der? Eu vou ser para sempre um ajudante de empresa? Auxiliar de produção? Esses serviços que ninguém nem olha quem faz... A miséria consome a mente, Fessora. Tô cansado de ver minha mãe ralando para sustentar nossa casa, e ela ainda tem um sorriso no final do dia, como se estivesse tudo bem, mas eu sei que não tá...

— Marcos, calma! O importante é você lutar. Isso que você disse só vai acontecer se você ficar parado, sem tomar nenhuma atitude, não só por você, mas pelas outras pessoas que podem estar na mesma situação que você.

— "Cê" é louco, Fessora, mal sei lidar comigo, vou lidar com os outros?

— E por acaso você vive sozinho? O ser humano, Marcos, é um ser social também. Temos que saber como lidar com os outros, para que invés de diminuir eles, nós possamos ajudá-los e dar voz. Não é isso? Se tá ruim, Marcos, significa que a hora de mudar é agora, a hora de agir é agora. Não dá para ficar esperando...

— Mas tem que ser logo eu?

— E se não for, vai ser quem?

— Vou tentar, Fessora... Vou tentar...

— Continuando a chamada...

Faltou, Fessora.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora