16 de dezembro de 2020 - Dia 30 da luz

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As luzes estavam prestes a se acender quando eu ouvi uma outra voz, diferente da voz da minha conhecida vizinha, perguntar como quem não quer nada:

— Onde mora o Grinch?

Tive vontade de me jogar no chão e ir rastejando para longe, especialmente quando ouvi uma risada. Todavia, antes que eu pudesse concretizar esse magnífico plano, ouvi minha vizinha responder:

— Ali. Mas acho que ele não é tão Grinch assim...

Fiquei parado no meio do meu quarto, sem saber se batia em retirada ou ia até a janela defender minha índole. Tinha sido bom ouvi-la me defender, mas de alguma forma também queria defender um pouco minha fama de quem não curtia as luzinhas. Porque eu não curtia, quer dizer. Elas meio que tinham sido as responsáveis por agora ter uma árvore de Natal na minha sala e uma guirlanda na porta, mas é claro que elas ainda eram incômodas...

— Não? — A primeira voz perguntou.

— Ontem eu até vi ele passando no corredor carregando algo que parecia muito com um emaranhado de pisca-pisca... — a vizinha respondeu.

Foi o suficiente para me fazer angariar coragem e colocar a cara no sol. Quer dizer, na janela. Minha vizinha estava distraída, olhando para algo acima do meu apartamento, mas a outra pessoa ao lado dela me viu no exato segundo que eu meti a cabeça para fora. Ela era mais alta que a vizinha, mais velha também e tinha o mesmo cabelo muito cacheado. Ao me ver, ela sorriu.

— Oi, Grinch — disse ela.

A vizinha mais nova olhou na direção da minha janela, sorrindo também. As duas eram muito parecidas. Ou eram irmãs, ou mãe e filha. Sob o inquietante olhar daquelas duas mulheres tão bonitas, eu baixei os olhos e fiquei um pouco envergonhado.

— É Murilo — corrigi, baixinho. Não sabia porque tinha achado relevante compartilhar meu nome naquela situação, mas quando eu vi já tinha saído da minha boca. — Meu nome é Murilo.

— O quê? — Perguntou a vizinha mais nova. Levantei um pouco os olhos para ver que ela tinha virado na direção da mais velha. — Você ouviu o que ele disse?

— Acho que ele disse alguma coisa sobre grilo? — A outra respondeu.

— Ai, meu Deus! — A vizinha mais nova disse, dando um pulinho de medo. — Grilo aonde?

Contive minha vontade de rir. Que mané grilo! Aquelas duas eram uma comédia, sinceramente. Eu deveria ter me dado conta de que elas seriam gente boa depois que não recebi muita retaliação pós-grito descabido. Estava entretida com a situação que se passava naquela varanda, mas minha boa alma fez com que eu quisesse tirar o desespero da menina.

— Não! — Eu gritei mais alto. — Eu disse que meu nome é Murilo!

— Ah! — A mais velha soltou, dando uma gargalhada.

— Graças a Deus! — A mais nova riu. — Não tem grilo?

— Não tem — dei de ombros. — Só tem Murilo.

— Meu nome é Ana — a mais velha acenou.

— O meu é... — a mais nova começou a dizer.

E então ela disse algo muito bizarro. Eu não era uma pessoa de achar nomes estranhos. Mas, por alguns segundo, achei que eu estava ficando completamente maluco. Porque o que ouvi minha vizinha bonita dizer, em alto e bom som, era que o nome dela era... Luzinha.

— Quê? — Perguntei, porque era a única opção possível.

— Luzinha! — Ela repetiu, confirmando minha completa maluquice.

Era fato que a pandemia tinha me pego de vez. Só podia ser essa a explicação do que tinha acontecido ali. Eu escapei do Corona Vírus, mas sacrifiquei um pouco de minha sanidade. Bem, era o preço que se pagava. Dei um sorriso amarelo, torcendo para que não desse para ver àquela distância. Então, me dei conta que há algum tempo tinha escutado alguém chamar minha vizinha e tinha achado que o nome dela era Luiza. Munido dessa lembrança, alarguei um pouquinho meu sorriso e gritei de volta:

— Luiza?

— Não! — A garota gargalhou. Era um pouco contagiante. Dava vontade de gargalhar também. — É Luzia! Lu-zi-a.

Foi só quando ela falou com as sílabas bem separadas que eu entendi. Era um pouco irônico que seu nome, falado rápido, parecesse com luzinha. Afinal, ela era a dona da luz que havia entre nós. Se não fossem seus pisca-piscas tão reluzentes, aquela conversa nem estaria acontecendo.

— Ah. Luzia. Entendi — respondi.

Percebi que ainda estava sorrindo quando ouvi a vizinha mais velha falar, em um tom que deveria ser mais baixo:

— Bonitinho o Grinch, hein!

E aí parei de sorrir na hora, transmutado pela vergonha. Que bom que não dava para me ver tão bem à distância. Assim, dava para a vizinha mais velha me achar bonito e não dava para as duas verem o quanto meu rosto queimava de vergonha.

— Mãe! — a vizinha mais nova, quer dizer, Luzia, vociferou.

Senti que aquela era minha deixa para cair de fininho, ainda com as bochechas queimando e com um sorrisinho no rosto. Com um aceno que nenhuma das duas viram, pois estavam em uma discussão em um tom bem mais baixo – que eu não conseguia ver da minha janela – entrei no quarto e me joguei na cama, ainda sorridente.

A Luz Que Há Entre NósOnde as histórias ganham vida. Descobre agora