07 de dezembro de 2020 - Dia 21 da luz

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Passei o dia inteiro me sentindo meio mal. Sei que eu estava no meu direito, mas talvez não devesse ter me referido às luzes como merda. Tinha sido um acidente. Elas costumavam apagar pontualmente dez horas da noite, toda vez. Pelo jeito a garota tinha dormido na rede e se esquecido de desligá-las. Se eu tivesse uma rede, estaria fazendo o mesmo. Não é como se a vista fosse lá essas coisas, mas pelo menos algumas estrelas eram possíveis ver, no pedacinho de céu que sobrava entre os dois prédios.

Fiquei muito tenso durante todo início da noite, pensando se as luzem iam se acender às sete horas como sempre ou se eu tinha estragado aquele ritual natalino de minha vizinha com meus gritos. A culpa não era dela que o país estava em crise, que o presidente era um bundão e que meu futuro estava indo pro lixo. Suas luzes de Natal nada tinham a ver com o fato de que estávamos vivendo uma pandemia basicamente sem precedentes e muito menos com o fato de que tinha um monte de filhos da puta na rua agindo como se nada estivesse acontecendo. Porém, com os nervos à flor da pele como eu estava, minha vizinha acabou pagando o pato.

Pontualmente, como sempre, as luzes ligaram. Eu corri até a janela, mas não vi ninguém na varanda. Nem sei por que tinha corrido, mas talvez estivesse querendo esboçar um pedido de desculpas. Passei o resto da noite inteira meio que de tocaia e até considerei empurrar minha mesa de estudos para baixo da janela, para ficar direto encarando a varanda, mas desisti depois de ver a quantidade de fios que eu teria que transportar.

A noite foi se arrastando e eu acabei me esquecendo um pouco de minha guarda. Estava preparando tudo para ir dormir quando as luzes magicamente apagaram. Olhei o relógio digital na minha mesa de cabeceira: eram nove e cinquenta e nove. Dei um sorrisinho, feliz pelo horário ter sido respeitado, mas ainda constrangido pela forma que gritei no dia anterior. Para piorar meu constrangimento, ouvi minha vizinha gritar:

— Desliguei as luzes, viu Grinch?

Podia ser impressão, mas juro que ouvi algum outro apartamento dar uma gargalhada. Envergonhadíssimo com toda situação, não passei nem perto da janela. Fui quase me arrastando até o interruptor e apaguei a luz, desejando apagar também a impressão horrível que meu grito tinha deixado na garota.

A Luz Que Há Entre NósOnde as histórias ganham vida. Descobre agora