Dez - O doutor Garrote

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A porta se abriu de forma abrupta e violenta, sendo golpeada contra a parede e marcando o reboco da mesma com sua maçaneta. A autora de tão assustador fato, era uma ruiva bastante conhecida no campus. Sofia. Ela atravessou a sala do DCE com passadas aceleradas e com um olhar maníaco estampado em sua face. Sequer se importou com as caixas e objetos que atropelou e derrubou no chão, enquanto ia na direção de uma aturdida secretária.

— Sai, sai, sai… - Ia gritando, enquanto praticamente arrancava a secretária da cadeira.

— Meu Deus, o que houve gente? – Perguntou confusa, a jovem moça.

A secretária do DCE, era uma jovem negra, magra, de cabelos curtos, adornada com um par de óculos de armação pesada. Narayana era normalmente simpática e receptiva, porém não se sentia muito à vontade com o comportamento de Sofia. Como a ruiva, normalmente, era de confiança, ela se levantou da cadeira sem questionar, apesar de se encontrar perplexa. O que poderia acarretar em tal comportamento? Um incêndio? Um arrastão? Neste caso, não seria o primeiro arrastão.

— Vai tomar um café – Sofia falou, deixando o corpo cair na cadeira e adotando subitamente um comportamento impassível, apoiando os antebraços na mesa e cruzando os dedos. Como se realmente trabalhasse lá. – Eu tomo conta do DCE para você.

— Do que você está falando menina? – disse, ainda aturdida. – Cheguei não faz quinze minutos – ela ajeitou as lentes, e pensou um pouco.  – Espere. Você nem faz parte do diretório.

— Se não vai ajudar, então não atrapalha – comentou, desta vez quase sussurrando, mas sem perder a postura. – Silencio, eles já vão chegar.

— Quem?

Mal terminou a pergunta, Narayana observou dois homens bem vestidos entrarem pela mesma porta escancarada pela Sofia. Um era jovem, e até onde a secretária se lembra, também era monitor das turmas de psicologia. O outro não havia como não reconhecer. O homem com pouco mais de quarenta anos de idade, com cabelos castanhos, apesar de alguns fios grisalhos, de rosto firme e simétrico, com sorriso fácil, não só era o vereador mais popular da cidade, como também era o líder da câmara. Doutor Sandoval “Garrote” Mesquita, ex-promotor público e inimigo declarado da atual gestão do município.

— Como posso ajuda-los? – Sofia perguntou, antes que Narayana pudesse abrir a boca.

— Estou aqui procurando… - Começou o Doutor “Garrote”, mas foi logo interrompido pela Sofia.

— Me desculpe senhor – disse cortando o político, e se virando com o olhar mais simpático, ou maníaco, dependendo do ponto de vista, para o monitor de psicologia. – Acho que o jovem aqui chegou primeiro.

O jovem magro, de cabelos escuros abaixou a cabeça, tentando disfarçar o rosto completamente rubro. E também não era para menos, já que Sofia havia debruçado na mesa e se inclinado, como se estivesse pronta para dar um bote no garoto. O presidente da câmara, não estava acostumado a ser ignorado, mas seus anos de política o preparam para ignorar pessoas loucas e ser tão paciente como Jó.

— Acredito que tenhamos chegado junto – disse exibindo o sorriso mais branco que o dinheiro poderia pagar. – Eu sou o doutor Mesquita. Colaboro com o programa de saúde mental e da família da universidade. Esse é o…

— Sei, doutor “Garrote” – falou como se quisesse, e queria, dispensar o político. – Então carinha, você não tem monitoria hoje meio dia e vinte?

O garoto ficou confuso e assustado, depois só assustado. Como diabos aquela garota sabia os horários dele? Quer dizer, ela sequer faz parte de qualquer turma de psicologia. Mas “Garrote” parecia com pressa, e interrompeu a entrevista da ruiva.

Cordão Negro - (completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora