Dezoito - Um sonho de verão

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Não sinto dor… Mas ainda assim é muito ruim. Algo queima no peito, bem aonde deveria haver uma bala. Não há escuridão. Apenas luz.

Bips.

Algumas pessoas gritando… Acho que é o Azevedo, mas ele está tão longe… Estou cansado demais para procurá-lo. Devo descansar um pouco. Vou fechar os olhos por alguns segundos e deixar essas vozes para trás. Nenhuma dessas vozes podem ser associadas ao único rosto que interessa.

Elas estão cada vez mais difíceis de escutar.

— Estamos perdendo ele… - escuto distante.

Eu fecho os olhos e a luz apaga. Então vem só o vazio.

A minha existência passa a ser uma vaga lembrança, não tenho certeza de quem sou. Era algo importante… Era um exemplo, ou um símbolo… Algo assim.

Policial!

Isso! Eu era um policial. Pertencia ao grupo dos melhores. Eu tinha uma patente… Sargento. Isso! Sargento. Era uma vida boa, eu tinha uma namorada. Espere… Ela não me ama mais. Então essa era uma vida vazia sem e valor. Um homem precisa de alguém para lhe lembrar que é importante. Sem ela eu iria definhar de qualquer jeito.

— Acorde Murilo – uma doce voz feminina.

Ela é tão bonita, agradável. É tão doce quanto a voz de qualquer mãe acordando o filho durante uma manhã de domingo. Porém, não é a voz da minha mãe. Não tem como ser. Eu sei de quem é, mas é difícil acreditar. Eu posso resolver esse mistério abrindo os olhos agora.

Mas se tudo não passar de uma ilusão? Estou usando muitos “mas”. Minha vida está cheia de porém.

— Vamos seu preguiçoso – sinto que minhas cobertas foram puxadas. Eu estava de cobertas. – Tem suco de manga – Não pode ser.

Meus olhos estão abrindo. Vejo uma silhueta se formar, em meio ao grande clarão da manhã que atravessa a janela do quarto. Ela está linda de vestido floral e com seus fios loiros brilhando à luz da manhã.

— Melissa? – pergunto, ela sorri.

— Esperava que fosse quem? A outra? – ela brinca. Tem algo diferente. Não é a Melissa jovem que conheci. É ela, só que mais madura. Viva. Feliz…

Consigo ver marcas de expressão delineadas em seu rosto, marcando suas maçãs e provando que ela teve uma vida feliz. Ela é feliz. Ela está comigo. Eu sou feliz?

— O que aconteceu? – pergunto ainda confuso.

— O que aconteceu foi o seguinte – ela começa uma bronca, em tom de brincadeira. – Alguém bebeu demais no baile do quartel ontem. Não é mesmo senhor coronel? – quê?

Ela pisca para mim e sai do quarto carregando os lençóis. Estou realmente confuso. Porque ela me chamaria de coronal. Espere. Vejo agora no canto do quarto a minha farda de gala, ela tem estrelas… Eu sou um coronel… Desde quanto? Eu só posso ter acordado no dia do contrário.

Me levanto. Preciso colocar as ideias no lugar. Provavelmente eu bebi demais, talvez tenha até caído. Quem sabe eu não tenha uma amnesia retrógada, ou anterógrada. Sei lá, não conheço a diferença. Tem um espelho, preciso me ver.

— Deus – deixo escapar, ao observar o reflexo no espelho.

Tenho vários fios grisalhos misturados ao meu cabelo. Meu rosto está bem marcado, com as primeiras rugas a mostra. Notei também que apenas uso um short de pijama, e meu peito está desnudo exibindo uma terrível cicatriz em seu centro.

Agora eu me recordo. Garrote…

Gritos. Veem da cozinha. Não perece nada sério. Na verdade parecem crianças. Desde quando temos crianças no apartamento? Claro, não estou mais no apartamento. A janela denuncia uma exuberante paisagem campestre do lado de fora. Não sei onde estou, mas certamente não é a cidade.

Cordão Negro - (completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora