Quinze - Rosas, aspirinas e dois canos fumegantes

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— Ele é um idiota – disse Sofia, deixando-se engolir no espaçoso sofá azul bebe. – Como aquele babaca pode fazer isso comigo. Trocar tudo isso – apontou para o próprio corpo – por aquilo. Aposto que ela nem gosta dele. Ele é fofo, romântico, inteligente e já publicou dois livros, e em anos seguidos. Acredita? Não preciso nem dizer que ele é extremamente humilde – ela bufou deprimida. – Ele vai se decepcionar com ela. Aposto que perdeu tempo. Se fosse direto comigo, e ele me falasse todas aquelas coisas, sabe o que eu diria? – ela pensou – Eu pediria tempo, porque não me faço de fácil, mas seria só caô. Claro que diria sim – o cheiro forte de desinfetante estava incomodando a garota, mas ela não sairia de perto do seu ouvinte. – Sabe, você é uma das poucas pessoas que me escuta. A outra seria Melissa, mas atualmente ela anda muito negligente comigo – seus olhos marejaram em um tom vermelho, e com um sorriso ela continuou. – Obrigada por me escutar…

No breve momento de silencio que se fez, pode-se escutar o bip dos aparelhos e o repetitivo som dos equipamentos de suporte de vida. Apesar de limpo e bem cuidado, aquele quarto particular em um dos mais caros hospitais do país, era um lugar sem vida. O choque de realidade deixou Sofia subitamente muito triste. Ela se deu conta que estava mais sozinha que nunca, e sua única companhia era um homem em coma. Natan Batti.

A ruiva estava no hospital em uma tentativa desesperada de encontrar o Murilo Batti. Como ela não possuía o telefone do sargento, e a Melissa se encontrava presa, ela montou “guarda” no único lugar que sabia que o sargento apareceria cedo ou tarde.

— Olha só para mim – algumas lágrimas escaparam de seus olhos – tendo uma sessão de terapia, com o único homem que me ouve… e ele está inconsciente – tentou soltar uma risada sem graça. – porque ficamos assim, por pessoas que talvez não se importem com a gente? Que dizer, não dependo de ninguém para sobreviver. Então o que é isso?

— …m-medo… - com grande dificuldade, a resposta saiu dos lábios de Natan. Sofia saltou do sofá assustada. - …n-ninguém q-quer ficar s-s-sozinho…

Cautelosamente, a ruiva se aproximou do leito do jovem soldado, cujo o único sinal de vida eram os lábios se mexendo. Seus olhos ainda estavam fechados e sua voz saia cortada, como se as cordas vocais precisassem de um bom alongamento. Natan pigarreou, e esboçou uma tentativa de se levantar, mas Sofia o impediu. Ela ainda estava muda pela surpresa.

—…Acho q-que temos esperança de encontrar a-alguém que e-entenda a g-g-gente…

—Acho que você não deveria estar se esforçando – ela finalmente falou. – Meu Deus, como eu chamo a enfermeira?

—Nem sempre os pensamentos dessa pessoa se encontram com os nossos – a voz de Natan começou a fluir com mais naturalidade, apesar de apresentar um pouco de rouquidão. – Neste caso, temos que ser pacientes… - ele precisou respirar um pouco. – Se um dia acontecer, será na hora certa, mas até lá…- seus olhos se abriram. – temos que ficar abertos as novas surpresas do destino.

Num primeiro momento, tudo que Natan enxergou foi um borrão alaranjado, com uma fraca luz branca no fundo, mas seus olhos logo trataram de se ajustar. O borrão foi ganhando um contorno mais definido, e deixou de ser apenas uma mancha para se tornar uma bela ruiva, de olhar assustado e atitude perplexa.

Natan a contemplou por um breve momento.

—Ah, droga – disse fazendo uma careta. – Eu morri, não foi? – Sofia ficou enrubescida.

—Vai fazer piadinha de anjo agora?

—Já conhece essa? – devolveu com um difícil sorriso. – Tenho várias. Conhece aquela que eu pergunto se seu pai é piloto, você responde que não e eu devolvo dizendo que você é um avião?

Cordão Negro - (completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora