Quatro - Teoria do Caos

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Vários minutos antes de ver sua própria arma apontada para si, Batti descia da caçamba do utilitário. Acompanhado de outros soldados do BOPE, e de vários policiais ‘convencionais’, ele analisou rapidamente o local que se encontrava. Não estavam no protesto, mas sim nas imediações da praça, em uma das ruas auxiliares, longe dos olhos dos manifestantes. Porém, perto o suficiente para escutar gritos mal sincronizados, e de difícil compreensão.

 — Ei soldado – Batti interrompeu um companheiro, que acabava de descer do veículo. – Mudaram a rota?

— Não sei não sargento – deu de ombros. – Até onde eu sei, a missão é da tropa de choque. Estamos aqui só por garantia. O primeiro sargento deles é quem está coordenando a operação – completou apontando para o militar.

Batti visualizou o primeiro sargento Pimenta, da tropa de choque. Era um sujeito que beirava seus 50, com a tez morena e o cabelo predominantemente grisalho. Seu corpo estava longe da forma ideal, já que sua volumosa pança insistia em empurrar seu cinto tático em direção ao solo. Não parecia o tipo de policial útil em confrontos, de qualquer tipo.

O sargento do BOPE foi em direção ao líder convencional. Com os anos de treinamento, Batti aprendeu a identificar bandidos de farda à distância. Pimenta possuía muitos dos traços. O sorriso idiota estampado em sua rechonchuda face, enquanto se exibia para os soldados mais novos, simulando alguns golpes de cassetete em um manifestante imaginário.

— Não dê na cara, que pode dar mídia. Vai nas ‘perna’, e nas ‘costa’ – disse isso, enquanto aplicava uma sequência de golpes em seu alvo imaginário. – Umas três porradinhas destas, e a geração todinho vai para casa mais cedo, chorar no colo da mamãe.

Batti não o conhecia, mas já não gostava dele. Disciplina era fundamental, para um militar como ele. Ele não acreditava que um sujeitinho tão asqueroso pudesse chegar a 1º sargento na PM. Na verdade, se dependente dele, ele não teria o privilégio de usar uma farda. Infelizmente para ele, ali o BOPE estava apenas de apoio, aquele gordinho asqueroso era o “líder” do pelotão.

— Sargento – Batti cumprimentou Pimenta, batendo continência.

— Sargento – respondeu com o mesmo sorriso debochado, e com uma rápida e duvidosa continência. – É nois! – Completou estendendo a mão para Batti.

“É nois!? Que espécie de policial cumprimenta o outro com um ‘é nois’?”, pensou o sargento do BOPE que apertou a mão do PM, apenas por respeito. Respeito que já não tinha. Infelizmente ele teria que aturar o policial.

— Estamos longe do resto do contingente, você sabe porquê?

— Claro vamos fechar do outro lado, caso esses moleques tentem furar o bloqueio.

— Você vai envelopar a manifestação – falou, na esperança de despertar algum bom senso no policial.

Muitos especialistas em segurança no mundo inteiro concordam que a técnica de “envelopar”, está entre as piores táticas para se conter uma manifestação. Geralmente isso limita o direito de ir e vir, além de pressionar um grupo grande de pessoas em um espaço limitado. Essa geralmente é a formula pronta para o caos.

— Isso mesmo- respondeu com naturalidade. – Algum problema com isso?

— Esta tática costuma apresentar problemas com multidões deste tipo.

— Você tem alguma ideia melhor? – Perguntou de forma retórica, como se fosse o dono da verdade.

— Na verdade eu tenho – respondeu em desafio. – Que tal acompanharmos a distância? Fechamos uma faixa da rua, agimos de forma pontual, apenas nos oportunistas que podem aparecer querendo arrumar confusão. No fim do dia, cada um vai para sua casa e eu vou procurar um bar para assistir ao jogo do Botafogo – Por algum motivo, Pimenta riu da ideia.

Cordão Negro - (completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora