Vigésimo terceiro

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Quando a Bea e o Bernardo foram embora, com ele prometendo que a deixaria em casa e meu coração ficando muito mais tranquilo, eu me senti feliz como não me sentia há muito tempo. Era estranho me dar conta de eu conseguia sentir saudades de algo sem nem mesmo perceber como isso me fazia falta. Mas quando assim que fechei a porta de casa, me dei conta de que não tinha conseguido nem mesmo estudar 30% do que tinha me proposto para estudar naquele dia.

O sentimento que se seguiu foi tão familiar como qualquer outro que eu sentia. Meu coração acelerava e eu me sentia a pior pessoa do mundo. E era questão de segundos até eu começar a me questionar como era possível eu me atrever a sonhar tão alto, se eu era tão incapaz de conseguir fazer coisas simples que eram essenciais para alcançar esses sonhos. Meus solhos começam a arder imediatamente e, antes que meu pai se materialize ao meu lado com mais um discurso emotivo sobre o quanto eu preciso de ajuda e o quanto ele me ama, eu corro para meu quarto.

Desligo as luzes e afundo a cabeça no travesseiro, deixando toda aquela frustração extravasar em forma de lágrimas. Mas a cada minuto que passa marcado pelo som do relógio de ponteiro que fica na minha escrivaninha, me sinto ainda mais culpada por ser tão sensível, tão emotiva. É uma perda de tempo tão grande! Quando não estou sofrendo pelo Bernardo, e ocupando meus pensamentos e energia com ele, eu estou me sentindo frustrada pelo tempo que poderia usar estudando.

Mas ao mesmo tempo, eu sei que não posso me sentir culpada por estar ajudando minha amiga. Ela precisava de mim... Ela precisa. E eu preciso estar disponível para ela, para poder ajuda-la. Nem mesmo consigo imaginar pelo que a Bea está passando e por isso começo a me sentir duplamente culpada, porque eu sei que é errado sentir essa frustração e pensar que estou "perdendo tempo" quando, na verdade, eu estou buscando ajuda-la.

Mas, quando você sente, tudo parece tão pesado. Tudo parece tão confuso. E eu somente queria que existisse algum tipo de revisão de sentimentos. Como quando a gente escreve um texto complicado, cheio de erros ortográficos e frases sem conexão. Então, você revisa uma, duas, três vezes. Em cada uma delas, você encontra uma forma de melhorar, de aprimorar o que está sendo construído. De repente, tudo fica tão perfeito que nem parece que antes estava uma absoluta bagunça.

Seria perfeito se eu pudesse fazer isso com meu coração.

Quando eu começo a me questionar se eu consigo aguentar uma hora estudando, o meu celular emite um toque indicando uma mensagem da minha melhor amiga.

Bea: Que história é essa de você stalkeando o Bernardo? Quero saber tudo, agora!

Reviro os olhos, mas não consigo evitar sorrir. Eu sabia que ela estava louca para saber o que aconteceu, muito embora eu tenha realmente contado a verdade naquela hora.

Mariana: Você já sabe, eu contei para vocês.

Bea: E eu vou cair nessa?

Mariana: Não posso fazer nada, é a verdade.

Antes que eu tenha tempo de fazer alguma pergunta para despistar aquele assunto, uma chamada de vídeo surge na minha tela.

- Já está com saudades? Assim vou me sentir muito amada, Beatrice – digo, com uma expressão de surpresa irônica.

- Me poupe, Mariana – ela revira os olhos e eu evito sorrir, mas é praticamente inevitável. – Por que você está no escuro?

Só então me dou em conta de que meu quarto está completamente mergulhado na escuridão, levanto da cama e acendo as luzes.

- O que você quer, Bea? – Pergunto e ela sorri, maleficamente.

Além de realmente ter medo dessas expressões da Bea, eu tenho medo nesse momento pelo seu estado. Não tem nem uma hora que ela saiu daqui de casa completamente arrasada. Parecia mais que um caminhão tinha passado em cima dela. E agora parece que o dia de hoje nunca aconteceu.

Se meus pais ficam preocupados comigo, quero nem imaginar como eles estariam se a Bea fosse filha deles. Para a sorte dela, a sua mãe está sempre trabalhando tanto que a coisa mais rara do mundo é perceber que tem algo de errado com a Bea. Quer dizer, ela também sempre acha que tem algo de errado. Mas é mais como se a Bea fosse grande acidente ambulante andando por aí, fazendo tudo de errado no mundo.

- Você sabe o que eu quero: a verdade.

- Eu estou falando sério, Bea. – Digo, respirando fundo e encostando as costas parede, enquanto estico minhas pernas sobre a cama de solteiro e encaro meus pés balançando no ar. – Eu estava pesquisando o Tiago e uma coisa levou outra... Enfim. Foi o que eu contei para você.

Ela parece completamente decepcionada, mas pelo menos acredita de vez. Mas ao ver o quanto ela parece insatisfeita, eu me questiono se eu realmente não deveria estar agindo de outro jeito. É como se o tempo inteiro eu estivesse errada, mesmo tentando fazer tudo certa.

Sou errada como uma aluna, que nunca consegue ser disciplinada o bastante. Sou errada como uma melhor amiga, que se apaixona pelo melhor amigo. Sou errada como melhor amiga, quando se sente culpada por estar usando o tempo ajudando uma amiga. Sou errada como filha, que mesmo tentando ser exemplar parece fazer tudo errada. E até mesmo como uma adolescente, eu sou errada, pois não consigo usar meu tempo livre para ficar stalkeando o garoto por quem eu sou... Bom, por não perder meu tempo stalkeando o Bernardo.

- Sabe o que eu acho?

- Não e desconfio que não quero saber, mas sei que você vai me contar do mesmo jeito – ela me olha feio e eu dou risada.

- Pode apostar que vou sim. Eu acho que você deveria vir com a gente na festa que o Pedro vai dar!

Ah, a tal festa! Mais cedo a Bea e o Bernardo estavam conversando sobre essa bendita festa – e ambos estavam me torrando a paciência para que eu fosse. Não vou mentir, quando o Bê me convidou eu realmente estava inclinada para dizer sim tão euforicamente quanto uma mocinha de uma comédia romântica quando é pedida em casamento nos últimos cinco minutos do filme.

Mas sexta era o melhor dia para estudar, exceto quando a Bea resolvia acampar aqui em casa pelo fim de semana todo ou meus pais queriam muito fazer um programa em família. E, como eu bem sabia que meus pais já tinham um programa de casal, eu queria agarrar com todas as forças essas oportunidade.

- Você sabe que eu não vou.

- Eu quero tanto ir, Mari... – Ela me olha com a mesma carinha do gato do Shrek e eu sinto muita dó. – Eu não vou ter coragem de ir sozinha, ainda mais agora sabendo que a Raíza é a irmã da dita cuja...

Eu não faço a menor ideia de qual é a relação entre uma coisa e outra, que não faz nenhum sentido. Mas a Bea é sempre tão sensível que ela faz associações que nunca fazem o menor sentido. O mesmo aconteceu três anos atrás, quando ela terminou com um menino e evitava ir a um shopping porque a prima dele trabalhava em uma lanchonete na praça de alimentação. Não fazia sentido para mim, mas isso de alguma forma a deixava abalada e era motivo suficiente para a gente boicotar shopping. Sim, a gente. Porque isso entrava nos critérios de fidelidade de amizade, segundo a Bea.

Depois de um tempo, eu apenas cansei de tentar entender ou fazê-la enxergar que determinada associações não faziam o menor sentido. Mas nem mesmo essa carinha triste me faria dizer sim...

Porém, quando eu estava prestes a negar mais uma vez e me desculpar, me lembrei da conversa do meu pai e a pequena pressão dele para que ficasse melhor logo. Para que eu fosse "feliz". E, se ficar sexta à noite estudando sozinha não representava a definição de felicidade para eles – mesmo sendo para mim -, talvez ir em uma festa de um amigo da escola fosse.

- Tudo bem! Eu vou. Mas você vai ficar me devendo uma.

Como conquistar seu coraçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora