Passado é passado

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  • Dedicado a Kelly Teixeira
                                    

Vou correr o risco, fazer a mudança e me libertar

(Breakaway - Kelly Clarkson)

Na minha vida nada veio de graça. Sempre tive que correr atrás dos meus sonhos. Entrar na faculdade Braz Cunha, foi o maior sonho já conquistado. Ela é uma das mais conhecidas e renomadas no ensino superior. Só existem duas maneiras de você entrar: uma é sendo herdeira de uma família rica, porque o Braz é uma universidade particular e muito cara e a segunda opção é ganhar uma bolsa 100%, o meu caso.

Disputei com mais de mil candidatos e posso afirmar que foi a prova mais difícil que eu já fiz. Mas o importante é que no final eu consegui uma das bolsas. Estou nervosa, por que é a primeira vez que ficarei longe da minha família.

Na minha casa somos três: eu, meu irmão Rodrigo de 10 anos e minha mãe Nádia. Ela lutou muito para nos criar após nosso pai ser assassinado pela polícia, em uma de suas batidas na comunidade.

Até hoje, esperamos uma resposta na acusação dos policiais envolvidos. Ele era inocente. Um homem trabalhador, que dedicava sua vida pelo nosso sustento e educação.

Na comunidade onde moro, cerca de 70 mil moradores ocupam os becos e vielas, sobre o comando do tráfico, onde a troca de tiro é constantemente.

O Morro da Raposa é uma cidade dentro de outra cidade. É como se fosse a Fantástica Fábrica de Chocolate, porém sem o chocolate e o Jonny Depp. Tudo o que você precisa, aqui tem. De postos médicos a bancos, farmácias, lojas de roupas, pequenos restaurantes.

Minha mãe trabalha como diarista e consegue tirar o suficiente para manter nosso sustento, e ter um pouco de dignidade. Ainda é jovem, nem chegou aos quarenta.

Rodrigo é um garoto muito inteligente, mas essa fase em que ele está é preocupante. Como minha mãe trabalha, ele fica aos meus cuidados. Não é uma missão fácil. Tem que ter a cabeça feita para não entrar no jogo errado.

Nossa casa é pequena, com cinco cômodos bem apertados. Construída com muito trabalho e esforço dos meus pais. Divido meu quarto com meu irmão que não me dá nenhuma privacidade.

Meu sonho é cursar jornalismo. Escolhi seguir essa carreira graças ao grande jornalista Tim Lopes, assassinado enquanto fazia uma reportagem sobre prostituição nas comunidades.

Apesar de viver cercada de traficantes, levo uma vida normal. Não sou muito de sair e não me meto em confusões, ou pelo menos tento.

Devido à minha ansiedade, praticamente caí da cama. Acordei a tempo de ver minha mãe sair para mais um dia de trabalho. Arrumei a casa, preparei o almoço, coloquei a roupa para lavar, enfim, tudo para facilitar a vida da minha mãe.

Morar em uma comunidade tem seu lado bom e ruim. O lado bom é que a maioria dos moradores me conhece, é quase uma obrigação ter que falar com todo mundo. Principalmente se essas pessoas viram você crescer. O lado ruim é que por ser conhecida por todos, sempre tem aquela pessoa intrometida que adora dar palpite na sua vida.

Minha mãe colocou um apelido carinhoso para essas pessoas: "Toma conta da minha vida". Às vezes, eles descobrem sabem das fofocas primeiro do que eu.

Da minha casa até o ponto de ônibus é uma bela caminhada. Entre escadas e becos, chego a andar uns vinte minutos, isso quando se anda em passos largos.

— E aí Nanda, a onde está indo gata assim?

— Oi Joca. Estou indo na universidade Braz Cunha efetuar minha matrícula.

Joca é desses amigos que você conhece desde que se entende por gente. Nossas mães são grandes amigas. Porém, Joca escolheu seguir o lado errado. Ele faz parte do tráfico, abandonou a escola para entrar para essa vida.

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