Capitulo 1

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Capitulo 1

Acordar com alguma coisa a lamber-nos a cara, e quando são 6 da manhã, não é a sensação mais agradável, mas é um despertador cada vez mais recorrente na minha vida. Puxo os cobertores, de forma a tapar a minha cabeça, e eis que saltam para cima de mim 35 quilos de carne e pelo, que começam a puxar-me as cobertas com a boca.

- Pára Eros! Por favor! – Murmuro – Já estou acordada, acho que vamos de ter uma conversa muito séria novamente, 6h não é uma boa hora. – Informo já destapada, mas de olhos ainda fechados.

“Oh céus, este cão cada vez está mais madrugador, longe vão os tempos em que as 8 horas da manhã era madrugada.”

Sento-me na cama, com algum esforço, abro os olhos lentamente, e olho para o meu cão e quase posso jurar, que o Eros me olha com um ligeiro sorriso de diversão. Um labrador enorme, cor caramelo a dar um sorriso é algo que apenas acontece na minha imaginação mal acordada.

Salto da cama para começar a rotina do dia. Saio do quarto, desço as escadas, abro a porta da rua e lá vai ele.

Moro perto de uma aldeia em Trás-os-Montes, moro isolada de tudo, de todos e mais uns quantos… Considero-me uma eremita dos tempos modernos. A aldeia mais próxima fica a 5 quilómetros, a única casa perto de mim fica a uns 500 metros, na outra ponta do lago. Moro aqui há 4 anos e nunca lá vi uma viva alma, portanto abrir a porta para Eros e às suas necessidades físicas matinais, é uma coisa lógica.

Há 4 anos, quando deixei a minha vida para trás nunca imaginei, que em algum lugar poderia adquirir esta calma. Nascida e “criada” nos Estados Unidos, luso-descendente de um transmontano, com uma casa (esta) deixada pelo avô, pareceu-me lógico vir para aqui, recuperar de um período menos bom a nível profissional/pessoal. A verdade é que quando cá cheguei apaixonei-me. Foi tipo um amor à primeira vista.

A casa fica a uns 200 metros da estrada principal, só se consegue ver o caminho que dá acesso á casa, com muita atenção, porque não está sinalizado. O caminho é ladeado por pinheiros-bravos e outras árvores que eu ainda não consigo identificar, quando chegamos a minha casa, um challet (nome pomposo) feito de Xisto, com 2 andares, no total com 6 quartos, totalmente reconstruída pelo meu avô, como se ele adivinhasse que um dia iria ser necessária. Como vista tenho um lago, lagoa, como eu lhe chamo, mas que não é mais do que um pedaço do Rio Douro. Do outro lado consigo ver as vinhas, em socalcos. Aqui consigo ver as estrelas, a lua, ouvir pássaros, e se uma arvore cair consigo com certeza ouvi-la desmoronar-se no chão.

Eros chegou à minha vida, mais ou menos ao mesmo tempo que eu para aqui vim. Num momento em que eu não queria ninguém perto de mim, que não queria ter a responsabilidade de outro ser vivo na minha vida, eis que eu atropelo o Eros.

Um dia de chuva, uma pessoa não muito habituada às mudanças manuais num carro, uma falta de habilidade genética em condução de veículos de 4 rodas, tudo isto aliado a um cão fugido, mal tratado, com fome, muito mas mesmo muito malcheiroso e sem grandes capacidades para pressentir o perigo de uma má condutora.

O que mais recordo desse dia, foi o esforço para não vomitar e o que chovia. O cheiro do bicho, era um mix de ovos podres, com peixe podre, marinado numa sopa azeda. Lembro-me que fiz os vinte minutos que separam a minha casa, do sítio onde se deu o acidente, com as quatro janelas abertas, e a levar constantemente com a chuva.

Sei que a decisão mais correcta na altura, teria sido levá-lo a um veterinário, mas sem conhecer muito bem a zona, sem um acesso à internet por perto, a solução encontrada foi levá-lo para casa e avaliar lá os estragos.

Aquando da luta de o enfiar dentro do carro, dava ideia que o Eros estava mal, gania baixinho, parecia em sofrimento, mas quando cheguei a casa, preparada para a batalha de o tirar do carro e carregá-lo até casa, deu-se o milagre!

Quando te vi, Amor. - Capítulos apenas para degustaçãoWhere stories live. Discover now