O Exército do Conselho dos Magos se preparava para o jantar. Cada soldado, designado em rodadas igualitárias, levava a sua tenda uma quantidade exata de comida. Na tenda do general, Evan, Desmodes sentava-se em uma das pontas da curta mesa de madeira com pés dobráveis. O teto flácido de goma escura, pelo qual o acelerado vento passava, arrastado, não ficava muito acima das cabeças de ambos, e as cadeiras em que ambos sentavam também foram construídas tendo a mobilidade por princípio mais valioso que o conforto. Com um gesto da mão coberta com uma luva vermelha, Evan dispensou o soldado que trouxera duas grossas peças da carne azulada de onioto, além de, em outra bandeja, acompanhamentos diversos.
--- Está com fome, Desmodes? Aqui comemos cedo. --- Perguntou Evan, com o tornozelo posto sobre a coxa.
--- Posso acompanhá-lo. --- Respondeu o mago do Conselho.
Evan sorriu, e Desmodes não foi menos cordial. Os dois aproximaram a prataria do centro da mesa, que não ficava muito longe de nenhum deles, e serviram-se sem reservas. Voltaram a falar assim que assentaram os pratos.
--- Desculpe-me a franqueza, Desmodes, mas sinto-me tão... Surpreso quanto feliz com a sua companhia. --- Disse Evan, fazendo uma pausa para encher a boca de arroz e tomate. --- ... Não costumo receber visitas de magos do Conselho que não sejam os reis.
--- E os reis devem visitar com frequência.
--- Sim, naturalmente. É uma das responsabilidades deles, afinal...
--- E razão pela qual nós estamos comendo em prataria do castelo do Conselho, mas os soldados não.
--- Desculpe, não... Entendi o que quis dizer. --- Disse Evan, atencioso, interrompendo a faca que já estava a meio caminho de cortar um bom pedaço de carne.
--- Quis dizer que todo mago-rei precisa de um bom general.
Evan tinha uma fisionomia similar à de Desmodes; um cabelo curto e escuro, um rosto reto e pálido. Curiosamente, vestiam roupas similares ali também: tanto um quanto o outro trazia em capas fechadas e longas alguma tonalidade de azul.
No entanto, quando Evan sorria, sua boca complementava o ardor dos olhos expansivos, e o ambiente parecia se iluminar como se houvesse algum minério de luz novo por perto. Depois de um daqueles sorrisos cheios de conforto, Evan voltou à refeição sem deixar de prestar atenção ao visitante.
--- Por um momento pensei que estivesse falando de alguma revolução.
--- E estou.
Desta vez Evan não parou de comer. Desmodes, no entanto, juntou as palmas das mãos à frente do queijo.
--- Não me tome por tolo, Desmodes. --- Disse Evan, tranquilo. --- Eu entendi o que você quis dizer.
--- Não sei se entendeu.
Enquanto o visitante espólico punha os antebraços sobre a superfície da mesa, Evan terminava de mastigar uma garfada. O general deixou os talheres encostados ao prato e olhou para Desmodes.
--- Eu sou mago também, Desmodes. Você sabe que o Conselho jamais deixaria suas tropas nas mãos de um não-mago, se é que há algum general em Heelum que não seja mago... --- Desmodes assentiu, sem tirar os olhos do militar. --- Mas isso não quer dizer que eu me importo com os jogos de poder que acontecem naquele castelo. Sinceramente, eu não poderia me importar menos com eles. Eu sou o responsável pelo exército, e só. Fico aqui. Nunca vou lá.
Desmodes se recostou na cadeira.
--- O que quer dizer?
--- Eu que pergunto. Agora que sabe disso, ainda quer dizer o que veio aqui me dizer? Se você se tornar o mago-rei, Desmodes, eu não me importo. Não vou atrapalhá-lo, e não posso prometer que vou ajudá-lo. Eu não vou fazer nada. Provavelmente só saberei se alguém vier aqui me contar.
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasyNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...