Capítulo 39 - Decepção

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Depois que as aulas com os respectivos pais começaram, cada encontro parecia demorar o dobro do tempo para acontecer. A saudade apertava, porquanto a distância não estava só no tempo. Cada coisa que aprendiam os unia e os separava mais, já que cresciam, a passos seguros e largos, em um mundo que não podiam compartilhar, mesmo o frequentando todas as noites.

As memórias atacavam o garoto, famintas, sedentas por nova companhia no arcabouço do passado. Nos últimos dias, Tadeu repensava com frequência quase obsessiva cada uma das vezes em que viram o pôr do sol naquele lugar. O lugar secreto. Tentava se lembrar de tudo; das conversas, dos risos, dos beijos --- muitas vezes detalhes que se perderam. Coisas que, mesmo não parecendo importantes na época, valiam agora mais que ouro para ele.

Eram quatro horas da tarde quando ele resolveu sair mais cedo. Esperaria por Amanda lá, no topo do morro, surpreendendo-a. Abriu a porta para sair, com um sorriso de aventura no rosto, mas parou logo depois.

--- Então é aqui que você mora!

Anabel olhava para a casa com os olhos apertados debaixo da palma da mão; o sol incidia diretamente sobre o seu rosto. Vestia um suéter verde por cima de uma calça azul larga e elástica, e parecia estar de bom humor. Tadeu continuou no mesmo lugar, surpreso em frente ao curioso empecilho.

--- Oi, Anabel. Por que você está aqui?

--- Bem... Eu ia te perguntar isso, mas você obviamente mora aqui. --- Ela continuava admirando o castelo. --- É uma bela casa.

--- É.

--- Bela mesmo. --- Depois de uma última olhada para a casa, indo da esquerda à direita, Anabel deixou cair a mão e deu um passou ou dois para trás. --- Agora vem, vamos!

--- Vem? --- Repetiu ele.

--- É. Você vem comigo à biblioteca, não vem? --- Disse ela, com um rosto distendido em um sorriso esperançoso. --- Eu queria alguém pra ir comigo, mas não tinha ninguém. Foi sorte ter encontrado você aqui!

--- Não, mas eu não posso... --- Respondeu ele, mecanicamente.

--- Ah, por que não? Você está ocupado agora?

--- Agora não, mas...

Provocando o imediato arrependimento do menino sem cabelo, que concluiu que a mentira teria sido melhor, a ruiva o puxou pela mão, murmurando um autoritário "então... " --- ajustado com um sorriso doce, ainda que desajeitado.

Tadeu nunca tinha ido à biblioteca da cidade; sequer conhecia o caminho. Nunca precisou de um livro que o pai não tivesse em casa. Anabel precisou guiá-lo por entre algumas ruas largas e movimentadas até começar a avançar por ruas estreitas, com casas de alvenaria pintadas em cores claras e abetos longos nos jardins. Tadeu ficou surpreso ao passar pelo cartório da cidade naquela área --- com seu roxo telhado pontudo por cima das pedras marrons que muito lembravam a própria casa.

Ela o levou então por uma série de escadas no meio de uma rua em que os prédios eram mais frequentes, e as pessoas, mais raras. Entraram por um úmido túnel, que revelou-se o sótão do cartório, e saíram à frente de uma praça que Tadeu às vezes visitara, quando era menor, mas nunca saindo do chão. Agora, no entanto, tinha uma vista privilegiada, atravessando uma das pontes que corriam de um lado a outro por cima da praça, ligando, apoiadas em numerosas colunas, o cartório a um hotel que funcionava em um antigo castelo com cerca de cinco andares. Lá embaixo algumas crianças, jogando fecha-roda, pareciam umenau carregando migalhas coloridas para debaixo da terra, correndo suadas ao sabor da tática.

Andaram por corredores e uma galeria alta até uma série quadrada de escadas que, espiralando, levava-os em direção ao andar térreo. Mas Anabel interrompeu a descida no terceiro andar e os levou por uma outra conexão com um prédio ao lado, mais austero e dividido em escritórios com portas de tábuas juntas de qualquer jeito, feias e provisórias.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora