Capítulo 28 - O Prólogo da Jornada de Nariomono

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O pequeno riacho que descia das colinas cheias de árvores passava furtivamente pela clareira dos al-u-bu-u-na e entrava novamente na mata. Nariomono, que todos ali conheciam por Narion, seguiu o curso d'água até avistar o que procurava: A sombra de uma árvore cheia de histórias. Naquele momento, ela significava apenas um lugar afastado da reunião, onde poderia refletir em paz.

Agachou-se, acomodando os pés na terra escura até descobrir o lugar ideal para eles. Ouvia ao falso silêncio da mata, permitindo que aquilo lhe trouxesse harmonia. Ficara um pouco inquieto na presença dos magos, não sabia bem o porquê. Não confiava neles, embora sentisse uma espécie de simpatia que ele tratava de abafar.

Narion era o tradutor da aldeia, responsável por qualquer comunicação com "o mundo do lado de fora". Sabia falar a língua moderna --- que nunca ouvira ser designada como uma língua diferente, o que o irritava consideravelmente --- porque passara cerca de quatro rosanos em Ia-u-jambu. Saíra, vira o mundo em toda sua exótica glória, e retornara incólume.

Olhou para o alto, com as negras pupilas dançando ao focalizar diferentes folhas, galhos e tons de verde. Não voltara incólume da viagem, ao contrário do conceito popular que o transformava pouco a pouco em quase mito.

***

Narion era um guerreiro com um inimigo particular. Na floresta Al-u-bu, lugar que o coração jamais abandonou, estava tudo que ele aprendera a amar, mas também dois dos maiores perigo que conhecera. Um deles era um perigo que vinha de dentro. Algo que nunca ia embora; apenas repousava, suspenso no ar.

Desde pequeno experimentava aquilo que não ousava nomear. Sensação forte e quente que o envolvia e o embebia pouco a pouco em insanidade --- e vontade.

Lembrava-se com nitidez do dia em que ele e três amigos brincavam na mata, cansando-se por esporte em uma dança chamada treneor. Os passos de treneor eram simples, mas ficavam mais complicados, já que a ideia era que a velocidade crescesse com o tempo. Encaixados pelos quadris, as duplas pisavam para frente e para trás, seguindo o ritmo que todos cantarolavam com vozes ribombantes.

--- U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U...

Não deviam ter mais de doze rosanos; os garotos, Nariomono e Kanmono, e as garotas, Kamoni e Barmoni --- ou simplesmente Narion, Kan, Kami e Bari. Cada afastamento por parte de um dos integrantes da dupla significava uma chance de fazer algo diferente. Narion dançava com Bari e, levando os braços à frente, a jogou para trás, para depois puxá-la novamente em um giro rápido, que terminou com um giro dele mesmo. Logo estavam de volta à mesma posição de antes.

Dançar era divertido, mas não deixava de ser um jogo --- um dos mais complexos, no qual Kan e Kami eram melhores. Conheciam mais movimentos. Com uma sutil indicação de Kami, Kan girou, mas logo foi travado pelo braço direito dela, que o girou na direção oposta. Ela então girou pelas costas, agachou-se para depois subir rapidamente, e os dois acabavam de frente um para o outro de novo. Com suavidade uniam-se, voltando para a dinâmica mais simples da dança, que ficava ainda mais rápida.

--- U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U...

Dançar exigia coordenação e intimidade. Qualquer parceiro poderia tomar a iniciativa de se afastar, dando início a uma série de passos em que os dançarinos precisavam indicar o que podiam e queriam fazer. Entender os limites, as intenções e as vontades do outro era uma capacidade vital para não sair do ritmo ou estragar a dança com um movimento que não poderia ser desfeito, levanto inevitavelmente à confusão dos parceiros e à derrota.

--- U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U... Bi, Tro, U...

Narion suava e ofegava, tomando a dianteira: olhara para o que Kan fazia e tentava duplicar aquilo tudo. Não ia em frente por receber intenções contrárias de Bari, que não se sentia segura de acompanhá-lo. Narion acabava tendo que fazer o que a parceira podia, embora ele sabia que podia fazer o que o amigo podia.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora