Capítulo 29 - O Massacre

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Parados como estátuas, assumiam seus postos com tanta dignidade e servitude que Desmodes chegou a pensar que poderia haver um lugar para eles em Heelum. Um lugar em que poderiam ser felizes se apenas soubessem ser um trecho ao invés de rebelde mancha. Em seus olhos cheios de desconfiança, contudo, em que raras vezes se via um lampejar de descontentamento, descanso ou preguiça, constatava-se a força de um tipo diferente de ser. Diferente demais para Desmodes.

Tudo aconteceu em um mover de olhos do espólico. Cada um dos guerreiros virou o arco contra outro deles em precisa sincronia e afrouxaram os dedos, sem que houvesse tempo para que os berros e os gritos de que algo estava errado se desenvolvessem plenamente. O alto zunido seco de flechas cortando o ar prevaleceu, logo antes do rasgar de pele e abrir de carne.

Robin teve pouco tempo para ver a cena antes que ela acabasse; levantou-se num salto desbalanceado, esbaforido em seu soar surdo, apenas depois da saraivada e dos urros dos al-u-bu-u-na que se atacavam sem critério ou distinção, numa loucura coletiva em que flechadas atingiam bocas abertas, olhos desesperados, corações adornados e gargantas vibrantes.

Robin não sabia que barulho seguir, e primeiro voltou-se para um lugar onde uma criança não fora atingida completamente, mas perdera muito sangue no braço; a menina estava de pé, fragilizada, chorando de dor com os olhos estreitados e enxaguados. Seus olhos perderam-se em incompreensão quando se encontraram com os de um apoplético Robin. Foi empurrada pra trás com o forte impacto de uma outra flecha, disparada por um al-u-bu-u-na ainda de pé. Robin virou-se para ele, apenas para vê-lo também atingido, caindo por cima de uma mulher completamente avermelhada que ainda tentava se reerguer.

Há apenas um momento os magos tinham a vida por um dedo. Agora estavam envoltos por um círculo agonizante de sangue e madeira.

As flechadas foram diminuindo, assim como o número de pessoas de pé e os sons que os caídos faziam. Os que sobraram por último não tentavam fugir, esquivando-se de novas flechas; apenas esperavam, com o rosto sério e apático. Robin viu, com os olhos completamente abertos enquanto chegava mais perto, o último suspiro de um corpo feminino irregular e flácido, logo ao lado de um outro masculino, pouco atlético e com uma pequena cicatriz na bochecha direita, mais visível por causa do sangue ali depositado depois de cair pela orelha.

Os sons, as lamúrias e as pragas na língua antiga foram se esgotando aos poucos, fenecendo febrilmente, como água se afunilando por uma rachadura. Robin voltou-se para Desmodes, que permanecera exatamente onde estava o tempo inteiro.

--- O QUE FOI QUE VOCÊ FEZ, SEU IDIOTA?

--- Resolvi um futuro problema.

--- VOCÊ NÃO  O QUE FAZ?

Robin colocou as duas mãos na cabeça. Recomeçou a olhar em volta, e percebeu que ficava mais difícil encontrar qualquer sobrevivente.

Sentiu-se empurrado para frente, mas parou antes mesmo de começar a cair; fora atingido. Viu a ponta da espada de Desmodes, que atravessou seu tórax e, ao ser retirada, o fez finalmente cair para frente, de joelhos. Sua visão começou a ficar turva. Os sentidos, em alerta. O coração bombeava desesperadamente, já sem razão de ser.

O único sobrevivente da clareira olhou em volta. Viu que dos castelos sobravam ruínas que, pouco a pouco, desfaziam-se no ar como poeira no vento, nublando como um milhão de umenau esvoaçantes os campos em que uma rubra grama crescia indolentemente. No círculo de vítimas ficaram os al-u-bu-u-na, amontoados no chão. Alguns ainda apresentavam espasmos ocasionais; abriam os olhos, davam-se as mãos. Balbuciavam, os que ainda podiam falar, e choravam alguns outros, passando a mão por alguma tintaria no corpo.

A Aliança dos Castelos OcultosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora