46 - Telepatia

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Faz mais de seis horas que fugimos

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Faz mais de seis horas que fugimos.

Estamos dentro de uma loja de esquina com parte do teto destruído. Algumas estantes estão caídas e as coisas que ficavam nelas estão espalhadas pelo chão. Felizmente, boa parte dos produtos continuam aqui, então durante nosso curto tempo mantendo distância depois de horas fugindo dos soldados, Ryu e eu finalmente conseguimos comer algo.

Aproveitei o momento de descanso e sem confusões para procurar duas mochilas e ter algum lugar para guardar suprimentos para os próximos dias. Deixei Ryu a minha espera na loja enquanto fui procurar o que precisávamos nos outros comércios abandonados da rua.

Além das mochilas, também consegui algumas roupas de frio para passarmos o inverno congelante. A neve já cobriu todo o chão e meu pé afunda a cada passo, tornando mais cansativo caminhar por aqui.

Enquanto guardo roupas para Ryu em uma das mochilas que acabei de pegar, não consigo parar de pensar no momento em que Hyun-su foi jogado no chão e capturado pelos soldados.

Minha melhor amiga não disse mais de dez palavras desde que o deixamos para trás. Eu não sei porquê, de um segundo para o outro, ela pareceu mudar de ideia e desistir de resgatar Hyun-su ontem a noite. Nós tínhamos combinado que nos entregaríamos e fugiríamos, tínhamos um plano, mas Ryu desistiu dele de repente. Desde então, ela não fala comigo direito.

Seu corpo está na minha frente, seus olhos estão abertos e me encarando, mas ela não parece estar aqui.

Coloco a mochila em sua frente e ela ergue a cabeça devagar em minha direção.

— Onde você foi?

Suspirei. Eu avisei onde estava indo antes de sair.

— Buscar roupas de frio. Coloque as suas, está congelando.

Ela não resistiu, mesmo que eu a conhecesse o suficiente para saber que ela não queria colocar os casacos que eu trouxe. De qualquer forma, Ryu pegou a mochila e foi até o fundo da loja para trocar de roupa. Quando voltou, minutos depois, tive esperanças de conseguir tirar as minhas dúvidas.

— O que aconteceu lá? – perguntei. – Tínhamos combinado que iriamos nos entregar. Por que segurou minha mãe e correu?

Ela demorou alguns minutos para me responder. Caminhou entre as prateleiras, procurando por algo. Sempre que achava algo interessante, jogava dentro da mochila. Além de alguns biscoitos e energéticos, vi Ryu pegar um durex e um pequeno caderninho de anotações.

— Ele falou comigo. – ela murmurou, voltando para perto de mim e sentando-se ao meu lado. – Me pediu para fugir com você.

— Ele falou com você? – franzi as sobrancelhas, extremamente confuso. – Mas ele nem abriu a boca! O que? Como? Você está bem?

Então, com uma resposta inesperada, Ryu riu. Uma risada baixa e boba, mas é incrível como aquele simples ato pareceu tirar centenas de pedras das minhas costas. Com ela em silencio por tanto tempo, eu achei que voltaríamos a época em que perdemos o Ishida, mas talvez Ryu só precisasse de algum tempo sozinha para processar tudo. Bom, pelo menos ela sorriu para mim, já foi um bom avanço.

Sorri de volta, tentando entender o que havia sido engraçado.

— O que foi, boba?

— Você está parecendo um louco das perguntas. – ela riu de novo.

— Estou tentando entender como Hyun-su falou com você se ele nem abriu a boca ontem.

Ela ergueu a mão, apontando para a cabeça.

— Aqui. Da pra falar por aqui.

— Você enlouqueceu?

Ela revirou os olhos e um segundo depois, ouvi sua voz novamente, mas a boca de Ryu não estava se mexendo.

“Estou falando sério, idiota.”

Puta merda! Como você fez isso? Como eu faço? Você está me ouvindo?

“Claro que estou. Eu e qualquer outra pessoa que estiver aqui. Você está usando a boca.”

— Como faço pra não usar? Foi assim que eu aprendi a falar, sabia? É como os bebês aprendem. Me ensine a falar com a cabeça.

“Olhe pra mim e se concentre. Use o monstro.”

Eu a encarei por alguns segundos, pensando em o que “use o monstro” significava. Respirei fundo e fechei meus olhos. Quando voltei a abri-los, minhas pupilas estavam pretas e eu me concentrei em tentar passar qualquer mensagem para Ryu. Fiquei repetindo em minha mente a mesma frase, várias vezes, esperando por uma resposta.

Está me ouvindo? Está me ouvindo agora? Ryu? Está me ouvindo?

Um ou dois minutos depois, parada na minha frente, Ryu sorriu e balançou a cabeça.

— Eu ouvi! – ela gritou, animada. – Pareceu um robô, mas eu ouvi.

— Ta, e o que eu estou dizendo agora?

Quero fazer cocô. Acabei de peidar.

— Você é nojento, Sunwoo.

Eu gargalhei.

— É brincadeira. Tirando a parte do peido. Mas então, me explica, o que Hyun-su falou com você?

— Ele pediu para não nos entregarmos. Me pediu para fugir. Disse que não me perdoaria se eu me entregasse por ele.

— Ele sabia quem você era?

Ela assentiu.

— Sabia. Ele disse que se lembrou de tudo.  Nós precisamos buscar ele.

— Como vamos buscá-lo? Não sabemos pra onde ele foi.

— A gente procura onde der. Prometi que ia acha-lo.

— Certo. E por onde começamos a procurar?

— Vamos atrás dos soldados.

— Você quer voltar? Vão atirar na gente de novo.

— Eles ainda estão nos procurando em volta do nosso prédio. Acham que estamos por lá. Nós vamos até lá e esperamos eles irem embora, então os seguimos. Vamos saber para onde eles levaram o Hyun-su e depois bolamos um plano para resgatá-lo.

— Tá, tá legal. Podemos fazer isso.

Minutos depois, eu e Ryu estávamos saindo da loja de conveniência e seguindo pelas ruas destruídas e abandonadas, de volta para o lugar onde tudo começou. Nós não conseguimos chegar muito perto do prédio. Ele estava cercado por soldados armados que procuravam algo em meio aos destroços, seja lá o que fosse.

Olhando ao redor, tentamos encontrar Hyun-su e os outros sobreviventes, mas tudo ainda andava bem bagunçado desde a nossa fuga. Eu e Ryu nos separamos para tentar procurar em mais áreas. Também planejávamos testar os poderes telepáticos para sabermos até onde conseguíamos continuar nos comunicando. Até então, eu ainda consigo ouvi-la perfeitamente em minha cabeça, o que ainda é um pouco estranho para mim.

“Encontrei eles! Os sobreviventes. Estão saindo do esgoto.”

Onde? Não estou vendo nada daqui. Tem entulhos de obras na minha frente. O que está acontecendo?

“Os soldados viram eles. Estão cercados.”

Você está segura?

“Estou. Estou no terceiro andar de um prédio, consigo vê-los pela janela. A bombeira está com eles.”

Foi ela quem nos dedurou?

“Não. Eu acho que não. Mas ela está com eles agora.”

Conseguiu ver o Hyun-su?

“Não, mas... eles estão se movimentando. Estão entrando nos carros. Tem algo acontecendo.”

Ouvi uma sequência de passos e vozes diferentes aproximarem-se de mim. Precisei deixar de responder Ryu para me esconder de baixo de um monte de pilhas com entulhos de construção. Um segundo depois, os donos das vozes, um grupo de quatro soldados, passou correndo por mim. Eles conversavam com o rádio e davam ordens entre si. Entre as vozes, pude ouvir um deles dizer que o carro com o infectado especial havia sido sequestrado. Assim que passaram por mim, me certifiquei de correr para longe e segui pela mesma direção onde Ryu tinha ido.

Pegaram o Hyun-su. Pegaram ele! Temos que entrar no carro, descer daí agora, Ryu!

“A bombeira entrou em um. Estou te vendo, Sunwoo! Continue correndo, a bombeira está mais a frente.”

Olhei rapidamente para trás a sua procura, então vi Ryu pular a janela do primeiro andar do prédio. Ela rolou pelo chão e voltou a ficar de pé, acelerando em uma corrida para me alcançar. Mais a frente, vi a bombeira entrando em um dos carros, separada de todo o resto dos soldados, a grande maioria deles já partia atrás do carro onde provavelmente Hyun-su estava.

Antes que ela desse partida no motor, eu consegui abrir uma das portas e me jogar no bando de trás. Ela virou-se para trás assustada, apontando uma arma em minha direção. Eu me ajeitei no banco e esperei que Ryu entrasse para fechar a porta.

— O que você ta esperando? – reclamou Ryu. – Vai atrás do Hyun-su!

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Os Mais Fortes Sobrevivem - Sweet HomeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora