Capítulo vinte e quatro - a verdade

1.6K 211 55
                                    


Blair Finnegan

A neve cobria as ruas de Boston, os dias ficaram ainda mais frios e cinzentos. Os vidros da janela da sala estavam congelados, mas aqui dentro o aquecedor fazia seu trabalho deixando o cômodo quentinho.

Papai trouxe chocolate quente da cozinha, recém preparado por ele, com cinco marshmallows flutuando no líquido fumegante.

— Não coloquei canela no seu, eu sei que você não gosta muito.

Ele era o único que lembrava o quanto eu detestava canela, sempre achei um gosto muito forte que roubava o sabor de qualquer outro ingrediente.

— O senhor é o melhor!

Ele esboçou um sorriso com minha reação.

Dei um gole na bebida, o cheiro e o gosto de chocolate quente me lembravam de cobertores e lareira, se o inverno tivesse um sabor seria esse.

— Está delicioso como sempre. — elogiei deixando a xícara na mesinha de centro para me concentrar nos últimos enfeites da árvore de Natal.

Geralmente eu passava as festas de fim de ano em Seattle, mas não tinha mais sentido voltar para aquela cidade depois de tudo. Não falava com minha avó a tempos, na verdade desde o casamento de Juliette. Meu avô ainda ligava e depositava dinheiro na minha conta mesmo com minhas objeções.

Peguei da caixa de enfeites um anjo de vidro, a extremidade perto do chão já estava entulhada de penduricalhos. Então, levantei do carpete e analisei a árvore, ainda havia espaço no meio.

Meu pai também veio me ajudar a finalizar, deixando sua xícara ao lado da minha, era a primeira vez desde os meus doze anos que conseguimos decorar a árvore juntos, estava feliz por passar o Natal com meu pai. Pendurei o anjo em seu lugar, e vasculhei a caixa de papelão procurando sinos de plástico para colocar ao redor. Meu pai pegou uma das bolinhas vermelhas, mas parou em um movimento brusco, seu rosto ficou pálido de repente e ele levou a mão até a barriga.

— Pai!

Ele se apoiou na mesinha ao lado do sofá.

— Tudo bem? — perguntei parando de vasculhar a caixa e levantando para verificar meu pai. Ele andava evitando ficar em casa esses últimos dias, dizendo que estava cheio de trabalho de final de ano, ele geralmente fugia de tudo isso para ficar comigo o máximo que conseguia, mas parecia estar evitando minha companhia. Não tinha ligado muito para isso no começo, mas ele não parecia o mesmo há algum tempo. Tem dormido mais que o normal, a alimentação mudou radicalmente de hambúrguer para salada, isso era uma coisa boa, mas ele nunca comeria salada no almoço e no jantar se tudo estivesse bem. E agora parecia estar com dor, era a terceira vez da semana que ele passava mal, já tentei convencê-lo a ir ao médico, mas ele dizia que era só dor de estômago, que logo passaria.

— Eu estou bem, querida, é só alguma coisa que comi que não caiu bem. — a desculpa de sempre.

— Precisa ir ao médico, pai. — insisti novamente. Não descansaria enquanto ele não fosse em uma consulta.

Ele levantou uma das mão e fez um sinal de como se dissesse, "não é nada demais para requerer um médico".

Sempre teimoso.

— Pai...

— Eu estou bem, só preciso deitar um pouco.

Não tentei continuar discutindo, na segunda daria um jeito de marcar uma consulta e obrigá-lo a ir ver um médico, talvez o excesso de trabalho o estava afetando mais que o esperado.

Inefável Onde as histórias ganham vida. Descobre agora