Capítulo quatorze - De qualquer jeito havia vencido

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Hunter Brooks

Fechei o livro frustrado com minha falta de concentração, estava a dez minutos tentando ler o mesmo parágrafo.

Blair ocupava cada pequeno espaço disponível dos meus pensamentos. A forma como a boca dela se encaixava na minha, a textura de seu cabelo entre meus dedos, a respiração ofegante desejando por mais.

Tirei meus óculos de leitura fechando os olhos e os esfregando com a mão, talvez assim conseguisse esquecer o que aconteceu mais cedo.

Queria ter falado a ela que era uma péssima ideia, na verdade eu disse a ela, mas Blair decidiu ignorar todos os meus avisos, para começar definitivamente não deveria ter insinuado o quanto queria beijá-la. Acho que foi um momento de vulnerabilidade dos dois.

O jogo de amanhã tem me deixado uma pilha de nervos, o treinador não permitiu minha volta aos campos, ficaria no banco até segunda ordem. Participei dos treinamentos, mesmo como reserva o treinador queria minha opinião sobre os novos jogadores, o ajudei na montagem do time para o jogo de amanhã, não tivemos escolha, dei algumas dicas ao Ben, passando confiança, tentando mostrar algumas posições que ajudaria na hora de rebater a bola.

Peguei o livro marcando a página onde parei a leitura, o colocando junto aos meus óculos sobre a mesa de cabeceira, amanhã com as coisas mais calmas e com a cabeça no lugar, faria mais uma tentativa.

Geralmente os livros conseguem a proeza de clarear meus pensamentos, mas Blair invadia cada espaço entre as palavras, infiltrando-se entre as páginas, nada no mundo faria esquecer aquele beijo.

Acabava de quebrar as regras que havia criado há algumas semanas. Conseguia ver meu autocontrole escorrendo pelo ralo.

Empurrei as cobertas para levantar da cama, calçando meus chinelos. Peguei meu celular para ver a hora, já passava de meia-noite, era um horário confortável para beber água e não esbarrar com Blair sem querer. Não nos falamos depois do que aconteceu, não tivemos muito tempo entre o beijo e o momento que Matthew chegou em casa. Achava melhor assim, não queria falar com ela, não queria olhar para ela e perceber o quanto poderia estar arrependida. Mas não me arrependi de beijá-la ou de contar sobre minhas marcas, fiz as tatuagens para cobrir meu passado, não para esquecê-lo. Nenhuma criança deveria passar pelo o que passei, eu só tinha oito anos, nessa idade as crianças fazem coisas como brincar, e contar sobre os aprendizados da escola, ou mostrar para os pais que estava lendo um livro inteiro sem ajuda.

Infelizmente não vivi nessa realidade, aos oito anos estava tentando esconder as marcas que meu padrasto deixava em meus braços, ele me queimava em lugares que minha mãe não notaria, me obrigava a usar mangas compridas e ameaçava fazer muito pior com ela se eu contasse alguma coisa para alguém. Aquelas memórias ainda causam certo desconforto, lembrava o quanto ele fingia ser o marido perfeito perto da minha mãe, mas quando ela saia para o trabalho tudo voltava a ser um inferno. Não importava o quanto tentasse ser comportado e fazer o que ele pedia, ele sempre usava a violência. Comecei a demorar para voltar para casa depois da escola, o ônibus me deixava no ponto mas eu desviava do caminho até anoitecer, por uma semana deu certo, mas na próxima, Fill começou a me esperar no ponto de ônibus, mais ameaças e mais queimaduras. Nunca entendi de verdade os motivos dele agir daquele jeito, mas parei de tentar entender, porque não haviam desculpas capazes de justificar tal coisa, uma criança deveria ser cuidada, amada e acolhida. Fill era mau por ser mau. Meu avô dizia que a vida nos dava duas escolhas, dois caminhos a seguir, nossos traumas não precisavam trilhar nossos passos, fiz terapia por quase cinco anos para entender que para superar um grande trauma você precisava ter uma grande força de vontade, era acordar todos os dias e dizer para si mesmo que não era culpa sua, e que você tinha dois caminhos, poderia deixar seu passado controlar seu futuro, ou poderia apenas seguir em frente.

Inefável Where stories live. Discover now