Capítulo 58 - Henrique

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Henrique

Cheguei na delegacia suado e ofegante, havia ido o mais depressa possível. Depois de me revistarem, pude ir ver Saulo. Ele estava sentado e seus olhos arregalados, estava com o tornozelo enfaixado e quando me viu, desviou o olhar com vergonha.
-Saulo! -Me aproximei.
-Obreiro, que bom que o senhor veio, me desculpa, não sabia para quem ligar. Sei que o senhor deve ter suas obrigações, mas eu não queria ligar para a minha mãe... E não tem mais ninguém, todo mundo me deixou para trás.
-Agora vê quem realmente tá do seu lado e quer seu bem? -Me sentei ao seu lado.
-Sim, senhor. Me desculpa, fui tão idiota, sabe? Não deveria ter feito aquilo.
-Uma hora ou outra você vai precisar ligar para a sua mãe, Saulo. Avisar que você está aqui, não é justo deixá-la sem notícias.
-Sim, o senhor tem razão.
-E você não deve pedir desculpas para mim. Eu não posso mudar essa situação, precisa se desculpar com Deus de verdade, Ele sim pode mudar tudo isso, de dentro para fora. Mas para ele mudar, você precisa tomar uma atitude. Me responde, porque por que o leão é o rei da selva?
Saulo me olhou confuso com a súbita mudança de assunto, mas ficou em silêncio.
-Me responde, Saulo. Por que o leão é o rei da selva sendo que ele não é o animal mais inteligente, o mais inteligente é o elefante. Ele também não é o animal mais forte, o animal mais forte é o búfalo e muito menos o animal mais rápido, sendo que este é o guepardo. Então o que faz ele ser o rei da selva? -Saulo agora tinha ficado ainda mais confuso.
-Obreiro, eu não entendo o que um leão tem a ver com a minha vida, com o fato de eu estar preso...
-Olha bem, o leão não tem nenhuma qualidade esse mundo valoriza, mas tem uma que o diferencia dos demais, a atitude. -Enfiei a mão no bolso e tirei de lá meu óculos e o envelope que havia pegado na igreja. -Não importa se a caça corre mais do que ele, ou se é mais forte ou inteligente, ele tem a atitude de partir para cima ou se não, ele vai acabar morrendo de fome. O que vai diferenciar você das demais pessoas é quando você tomar a atitude de cumprir a vontade de Deus, se não, caso contrário, você vai acabar morrendo espiritualmente, e essa, é a pior morte que você pode ter. -Deslizei o envelope sobre a mesa em direção a Saulo. -É um simples papel, mas o que você vai fazer, a atitude que você vai tomar, pode fazer disso uma porta para a mudança da sua vida. Eu sei que colocar um valor monetário aqui vai doer em você, mas só isso não adianta, porque dinheiro você trabalhando você conquista. Agora você colocar a sua vida aqui, esse seu plano B, essas suas vontades e sonhos, isso dói, mas como eu disse, é essa atitude que vai mudar a sua vida.
Saulo encarou o envelope em silêncio, mas não hesitou, estendeu a mão para pegar o envelope e sorriu para mim.
-Eu sabia que o senhor era o único que iria me ajudar de verdade. Não a sair daqui -Ele fez um gesto apontando para a cadeia em si. -Mas a sair de dentro de mim mesmo, que é o meu pior inimigo.
Concordei e o policial chegou nos avisando que o nosso horário havia acabado. Saulo me abraçou como uma criança e prometeu que ligaria para sua mãe. Sai de lá com o espírito leve. Eu havia feito a minha parte, a história de Saulo poderia mudar se ele realmente tomasse uma atitude.
Peguei minhas coisas que estavam no guarda volumes e olhei para a tela do meu celular. Mais de onze ligações perdidas de Helena.
Comecei a tremer e abri sua conversa do whatsapp, vários áudios e reproduzi o primeiro:
-Rick? -Sua voz era estridente e chorosa. -Pelo amor de Deus, volta para cá! A mamãe morreu! -Ela começou a chorar e gritar e algumas vozes no fundo tentando consola-la.
Senti uma das pernas falharem e acabei tropeçando na calçada. Meu óculos caiu do bolso e quebrou uma das lentes. Arranhei o cotovelo na queda tentando me apoiar, mas aquela ardência não era nada comparada a dor que se instalava dentro de mim.
Minha mãe, minha mãezinha havia morrido.
Uma moça veio até mim e perguntou se eu estava bem, não consegui falar. Só balancei a cabeça e corri até o hospital.
Corri. Corri tanto que a cabeça começou a doer.
Na porta do hospital eu nem me identifiquei, só entrei e subi as escadas até o corredor. Minha irmã estava amparada por uma enfermeira e chorava copiosamente. A mulher segurava um copo de água e tentava acalma-la, mas não teve jeito.
Quando Helena me viu, correu até mim aos tropeços e se jogou em meus braços e desabou em lágrimas. Chorou e foi escorregando até o chão.
Nós dois nos ajoelhamos ali. Ela chorava em meu peito e eu a abraçava. Tentava não chorar, minha irmã precisava de mim, assim como Saulo havia precisado.
-Calma, Lena! Vai ficar tudo bem...
-A mamãe, Rick... A mamãe... -Ela não parecia uma mulher. Helena não parecia ser a irmã mais velha. Helena parecia uma criança, tão frágil e indefesa. -E agora? Eu tô sozinha! Era ela quem me ajudava! Eu não quero ficar sozinha novamente, Henrique! Eu só tinha ela!
-Você não vai ficar sozinha. -Sussurrei com os olhos marejados. -Eu vou cuidar de você e do Heitor. Eu prometo, não vou abandonar vocês.
Me coloquei de pé e ajudei minha irmã. A enfermeira veio e aos poucos Helena foi se acalmando com a minha presença ali. Depois a enfermeira me chamou e perguntou se eu queria ver minha mãe antes de moverem o corpo.
Concordei. Entrei na sala sozinho.
Ela estava da mesma forma que eu havia deixado, seu corpo gelado, a pele pálida, mas ali eu vi algo que fazia tempo que eu não via em seu semblante.
Paz.
Foi impossível não chorar. Ali sozinho eu me permiti chorar. Chorei tanto que soluçava. Como eu ia cuidar de Helena? De Heitor? Como eu ia cuidar dos jovens?
Eu me sentia naquele momento tão perdido! Desejei ardentemente voltar no tempo em que todos nós morávamos juntos, que eu não tinha preocupação.
Que eu era só o filho mais novo. Que eu era só mais um obreiro na igreja.
Eu queria minha mãe de volta, eu só queria que tudo aquilo parasse um pouquinho.
Então pensei na música que todos os dias minha mãe colocava para ouvir. Eu não sabia o que falar para Deus, mas eu pensava em casa frase da música:
-O vento balançou, meu barco em alto mar
O medo me cercou, e quis me afogar
Mas então eu clamei, ao filho de Davi
Ele me escutou, por isso estou aqui
...
O vento Ele acalmou, o medo repreendeu
Quando Ele ordenou, o mar obedeceu
...
Não temo mais o mar, pois firme está minha fé
No meu barquinho está, Jesus de Nazaré
Se o medo me cercar, ou se o vento soprar
Seu nome eu clamarei, Ele me guardará

Deus escutava a minha voz no meu mais íntimo, Ele era capaz de ouvir o grito da minha alma e Ele vinha me ajudar.

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